O Trabalho do Revisor
Depois que o Juiz de Direito prolata sua sentença (de mérito) cabe às partes em litígio, querendo, interpor recurso ao Tribunal de Justiça. Se a decisão for proferida por Juiz Federal o recurso é dirigido ao Tribunal Regional Federal. O Tribunal que recebe o recurso corresponde ao Segundo Grau de Jurisdição onde as decisões são colegiadas; nestas o quórum julgador é composto pelo Relator (aquele para quem foi distribuído o feito), o Revisor (aquele que também tem acesso ao processo ) e o vogal (que não tem acesso ao processo e vai nortear seu voto ouvindo atentamente o que disser o Relator ou o Revisor).
Caso haja necessidade de esclarecimentos pode solicitar informações do Relator ou do Revisor ou pedir “vista” dos autos para exame mais acurado do mesmo. Nesta hipótese o julgamento é interrompido, o processo é encaminhado ao vogal e este ficará encarregado de recolocar o processo em pauta para conclusão do julgamento. É de praxe o Relator depois de concluir o seu voto da decisão encaminhar cópia deste junto com os autos para o Revisor, pois este tem o dever de anotar pontos importantes processo e aferir se o voto do Relator está tecnicamente adequado (ou não) para decisão final de mérito. O Revisor pode acompanhar o voto ou discordar de seu mérito, gerando assim a chamada “divergência”.
E como o Vogal é o terceiro e último a votar ele tem livre arbítrio de escolher qual dos votos ele acha certo para então acompanhar. Portanto a função do Revisor é trabalhosa porque tal qual o Relator tem de conhecer o processo e anotar suas peculiaridades para esclarecer ao Vogal quando solicitado. A ordem do quórum julgador obedece o critério de antiguidade com o Presidente da Câmara sendo eleito com mandato de um ano. Antes o cargo recaia no Juiz mais antigo em exercício na Câmara Julgadora e não permitia alternância. Fui Presidente da 15a. Câmara Cível do TJPr. pelo período de quase dez anos. Pois, bem : o papel de Revisor exige conhecimento dos autos e confrontar se o voto do Relator juridicamente está bem adequado à prestação jurisdicional perseguida por uma das partes.
É uma tarefa que exige muito zelo. Na época do Tribunal de Alçada havia enorme fluxo de recursos e os processos pululavam exigindo redobrado empenho de todos os seus Juízes. Era preciso represar as distribuições dos processos mas quando a comporta era aberta tinha mês que chegavam no gabinete do Juiz duzentos ou mais recursos para relatar e outro tanto para revisar. Era óbvio por mais que se trabalhasse existia perigoso acúmulo que eram reservados às revisões. Fui revisor de um colega maravilhoso, operoso, diligente mas difícil de entender o que escrevia nos seus votos, via de consequência eu tomava um sufoco danado para comparar o seu voto com o teor do respectivo processo. Mas ninguém ultrapassava o prazo de 90 dias estipulado pelo CNJ para o Juiz relatar ou revisar um recurso.
Certa feita me deparei com um processo para revisar de dez volumes, complexo, chato de entender que me dava dor de cabeça de tantas questões articuladas de fato e de direito na sua peça inaugural. Resolvi anotar com cuidado cada ponto e tripliquei a leitura para entender o voto do Relator. Tudo dentro do prazo devido.
Só não sabia que o advogado de uma das partes estava ansioso esperando o julgamento e um dia ele foi no meu gabinete solicitar que eu colocasse o processo na pauta de julgamento, pois segundo ele :
- Revisar era uma bobagem da lei …
Claro que o advogado não tinha a mínima noção da tarefa de um Juiz que não quer errar e nem permitir que seu colegas errem. Por educação não respondi e disse que no prazo devido o processo entraria em pauta. E foi o que aconteceu. E por incrível que pareça dito advogado ganhou a demanda que foi decidida por dois votos a favor e um contra, graças ao meu voto de Revisor e do Vogal que me acompanhou. O Relator foi vencido e eu como Relator Designado lavrei o Acórdão. Quinze dias depois o mesmo advogado esteve no meu gabinete e foi me cumprimentar pelo voto minudente que proferi e norteou o julgamento da causa. Atendi com cortesia e não agradeci porque tinha apenas cumprido a minha obrigação como Julgador …
“Julgar exige conhecimento, imparcialidade e bom senso. As vezes o Juiz decide sobre a liberdade de alguém ou o patrimônio alheio e a proteção do incapaz. O jurisdicionado pode criticar o Juiz porque decidiu em desfavor de seus interesses. Mas nunca descumprir uma decisão judicial, para evitar o caos de uma Nação. Pois Juízes sem brilho passam mas a força da Justiça deve permanecer sempre viva no coração das pessoas de bem.”
Édson Vidal Pinto
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