O Voo.
Hoje, 26 de janeiro, quinta feira.
Quando estive Secretário de Estado da Justiça nunca me omiti de fiscalizar os presídios pessoalmente. Prática comum dos Promotores de Justiça mais antigos que estavam voltados mais diretamente na defesa do interesse público, ao invés de se preocuparem com o direito social.
A diferença é a de que o interesse público abrangia áreas mais sensíveis às populações porque zelava pelas obrigações dos gestores dos estados, fiscalizando muito próximo as aplicações do dinheiro público, o sistema carcerário, o combate à criminalidade e zelo como fiscal da lei nas causas de interesses dos menores, incapazes, Consumidor, meio ambiente, dentro e fora das demandas cíveis que dissessem respeito a tais enfoques.
Enquanto que no aspecto social a atuação era limitada ao atendimento das pessoas hipossuficientes na tentativa de resolver pequenos conflitos no meio da família e da sociedade. Tarefa esta presentemente atribuída à Defensoria Pública.
Exigia mais trabalho e menos vitrine. Só na área criminal o serviço era estafante, pois os inquéritos policiais eram rigorosamente fiscalizados para não permitir a prescrição dos crimes e a impunidade dos infratores. Em outras palavras: todos trabalhavam, mesmo!
Assim, quando assumi a Pasta da Justiça e passei a fiscalizar de perto as Penitenciárias do Estado, percorrendo os seus pátios, galerias e porões a ponto do meu chefe de Gabinete, Cel. José Luiz Moraes e Silva, que me acompanhava nessas incursões, ficar preocupado com minha segurança pessoal e por isso solicitou do então Comandante da Polícia Militar a designação de um policial militar para ser meu motorista e segurança.
Mesmo não querendo prevaleceu o bom senso. Dias depois, quando o carro oficial foi me buscar em casa eu me deparei com o novo motorista: um sujeito de tez amorenado, terno e gravata, com o porte que mais parecia um armário
de tão grande, e logo foi dizendo:
- Secretário, eu sou seu novo motorista. Meu nome é Garcia e estou aqui pra lhe dar toda segurança!
Agradeci, entrei no carro e fui para a Secretaria. Dai em diante todas as vezes que eu visitava os presídios ele estava ao meu lado, sempre atento e observando as atitudes dos presos. Apesar do seu porte avantajado ele era um excelente profissional e muito alegre. Nas viagens de carro para o interior do estado, o Garcia sempre estava disposto sem nunca deixar de manter a sobriedade e o sigilo necessário das conversas que ouvia. Sobressaiu-se pela valentia.
E como tal era considerado pelos funcionários e agentes penitenciários. Mas tal como Sansão da Dalila, o corajoso também tinha um lado fraco e este foi "descoberto" quando fui designado pelo Governador Lerner, para representá-lo na posse do novo Presidente da Associação Comercial da cidade de Londrina.
Era um evento que exigia o meu ida com o avião de sete lugares, já incluído o comandante e o copiloto, pertencente ao Governo do Estado. Dois outros Secretários sabendo do ato público pediram para me acompanhar e eu prontamente concordei. A viagem seria um "vapt vupt"; saída às quatro da tarde do aeroporto do Bacacheri e retorno marcado para a noite, do mesmo dia.
A solenidade de posse estava marcada para as 19: O0 horas, depois seria servido um coquetel, e em seguida o retorno para Curitiba. No embarque para Londrina um assento da aeronave estava vazio. Sugeri ao Coronel José Luiz que ele convidasse o Garcia para nos acompanhar. O homem destemido desmontou. Pedia pelo amor de Deus ao Coronel para não manda-lo entrar no avião.
Ele confessou que nunca tinha voado e tinha medo, os funcionários do hangar davam gostosas gargalhadas enquanto o Militar subalterno obediente, suando, dizendo palavrões e rogando ao mesmo tempo a proteção de Deus caminhava na fila para entrar no pequeno avião. E quando tentava sentar na poltrona dizia que não cabia dentro dela, estava ofegante e não tinha espaço para colocar as pernas. Quando viu que não dava para reverter à situação, começou a rezar o Padre.
Nosso quase aos berros. Foi hilariante. Já no ar, o intimidado passageiro ficou de olhos fechados e cada vez que a aeronave mudava de rota ou fazia algum movimento mais brusco, nos ouvíamos:•.
- Meu Deus, nunca mais, nunca mais!
E depois silencio absoluto. A frase só era repetida quando sobrevinha outro solavanco. De repente um dos Secretários para dar mais susto, disse ao comandante do avião que nunca tinha pilotado na vida, mas que gostaria de tentar e perguntou se seria possível. Antes de o comandante responder, o Garcia abriu bem os olhos e largou "aquele" palavrão, pedindo pelo amor de Deus que ele não permitisse aquela loucura!
Com tanto riso a viagem foi mais rápida que um raio. A brincadeira, no entanto custou caro para todos, parece que alguém quis se vingar. À noite o aeroporto de Curitiba não tinha "teto". Sem muda de roupa e acessórios de higiene tivemos que dormir em um hotel de Londrina. Voltamos para casa na manhã do dia seguinte. No voo de volta, o Garcia desabafou:
- Deus se vingou por terem judiado de um inocente!
Ninguém respondeu. Tínhamos passado uma péssima noite e ainda estávamos com sono. Parece que só quem falou estava com um pequeno sorriso engatado na boca. E pelo que sei até hoje, o meu corajoso e destemido segurança nunca mais voou!