Os Fiscais do Sarney.
E como é dia de lazer vale a pena relatar fato acontecido no passado, para ser lembrado e não cair no esquecimento. Em 1.985 o dragão da inflação corroía a economia nacional.
A desvalorização da moeda era diária e o povo enfrentava dificuldades porque os salários não supriam as necessidades básicas das famílias. Era ótimo apenas para os que dispunham de dinheiro e aplicavam no sistema bancário onde os juros davam ótimos dividendos.
De repente como num passe de mágica, da noite para o dia, o Governo Federal presidido por José Sarney decretou inédita Medida Econômica denominada “Plano Cruzado”, quando instituiu uma nova moeda ( o Cruzado) e tabelou os gêneros alimentícios. Quando o brasileiro acordou e tomou conhecimento das medidas anti-inflacionárias, não titubeou em aderir à intenção governamental e de pronto se alinhou como “fiscal do Sarney”.
Era um exército de homens e mulheres dispostos a colaborar para um novo Brasil. O patriotismo aflorou com uma fiscalização rigorosa para que os preços tabelados fossem cumpridos no comércio de gêneros alimentícios.
Eu era o único Promotor de Justiça da Defesa do Consumidor e por isso fui incumbido pelo Procurador-Geral de Justiça Dr. Jerónimo de Albuquerque Maranhão, para instalar um centro de operações a fim de dirimir dúvidas e tomar providencias penais cabíveis. O Núcleo operacional foi instalado no bairro Portão, em um prédio recém-construído para uma escola pública, contando com auxílio da PM, Polícia Civil, Polícia Federal, Receita Estadual e Federal.
Lembro que minha primeira atuação aconteceu no Palácio Iguaçú, a pedido do Governador José Richa, quando centenas de motoristas de caminhões de transportes questionavam acerca do custo dos fretes. Quando cheguei os ânimos estavam exaltados e só acalmaram quando expliquei que o tabelamento era da exclusiva competência do Governo Federal, comprometendo-se o Governador em servir de emissário para equacionar o impasse.
A reunião terminou sem incidentes. Nos dias seguintes passei a atender os problemas que surgiram nos supermercados, indo pessoalmente aos lugares onde surgiam conflitos, sempre acompanhado do delegado Favetti, então Superintendente da Polícia Federal. Dentre tantos casos, mas por falta de espaço, conto dois episódios: um ocorrido num supermercado da Av. Kennedy.
Os preços dos produtos estavam diferentes da tabela Oficial. Os presentes exigiram a prisão do gerente, que assustado se escondeu dentro de um armário. Cheguei ao local e constatei que a tabela de custo dos produtos estava às vistas dos consumidores, bem na frente das caixas registradoras, com pequenos avisos espalhados de que os preços nos produtos não correspondiam ao valor de venda. Não adiantava querer explicar.
A prisão era exigência dos consumidores. Determinei a prisão do gerente que tremia mais que vara verde. Expliquei para o advogado da firma que seria apenas um “jogo de cena” para evitar tumulto. Na Polícia Federal o gerente foi solto. Outro fato pitoresco ocorreu num supermercado do bairro Cabral, quando um “fiscal do Sarney” simplesmente fechou as portas do estabelecimento. Esse mesmo indivíduo, dias depois, foi nomeado Chefe da Sunab do Paraná.
Só que não havia irregularidade nos preços cobrados pelo supermercado em questão, porque o consumidor fizera uso de uma tabela de preços editada para valer em São Paulo, não se atentando que para os demais estados existiam uma outra e que os valores cobrados estavam corretos. O estabelecimento prejudicado processou o “fiscal” pelo crime que praticara.
Meses depois, atuando no inquérito policial respectivo, pedi o seu “arquivamento” por ter o indiciado obrado sob a égide de um “erro de fato”. Foi um período trabalhoso. Pena que o Plano Econômico foi mal elaborado e a inflação continuou reinando no país, passando incólume no Governo Collor que editou outros tresloucados Planos, até que na Presidência de Itamar Franco surgiu o “Plano Real”. Mas estes episódios deram outras histórias, dos quais apenas testemunhei e não participei...
“O Plano Econômico Cruzado foi uma primeira tentativa para domar a inflação. E contou com a adesão dos “Fiscais do Sarney”. Uma legião de brasileiros que acreditou e torceu para que o Brasil pudesse dar certo!”
Edson Vidal Pinto