Para Pensar?
Hoje, 04 de janeiro, quarta feira.
Fui dormir resolvido a levantar bem cedo e aproveitar o ar matinal para caminhar na praia. E cumpri a palavra!
É verdade que só me dei por mim quando meus pés tocaram a água do mar, até ali eu era um sonâmbulo que não sabia ao certo o que estava acontecendo ao meu redor. Abri os olhos, sacudi a preguiça costumeira, olhei para todos os lados e com exceção de um minúsculo vulto de uma pessoa, bem ao longe, a Praia estava deserta. Arrisquei olhar o meu relógio de pulso, a prova d'Água, e me assustei: seis horas da manhã!
Eu não acreditei, jurava que o relógio estava marcando a hora errada ou eu tinha enlouquecido. Desde minha infância e do período de minha vida estudantil eu não lembrava como era o amanhecer do dia!
É verdade, meu relógio biológico não permite tamanho luxo. Agora era tarde para voltar a trás, eu estava mesmo iniciando minha caminhada na praia de Guaratuba. E o pior de tudo: sozinho como um herdeiro deserdado! Achei a melhor opção andar em direção àquele vulto que eu não conseguia distinguir pela distância que nos separava. Eu ficara curioso para saber o que aquele ser solitário fazia sozinho na praia.
Seria um louco como eu? Um deserdado ou um notívago inveterado? Na medida em que me aproximava notei que ele parecia usar um hábito de Ordem Religiosa, seria um sacerdote? Só confirmei minha opinião quando estava há poucos metros do homem, ele não percebeu minha aproximação porque estava absorto escrevendo sem parar, na areia.
Arrisquei dar uma espiadela com um dos olhos para não ser indiscreto, mas não entendi nenhuma palavra. O latim apesar de não ter sido o meu carro chefe no vestibular do Curso de Direito, pois tinha aprendido a decorar as "Catilinárias" e as "Verrinas" de Cícero apenas para "enganar" os Examinadores, também não passa presentemente de uma língua morta.
Ninguém mais tem obrigação de saber, não é mesmo? Ora, ora o Padre escrevia em latim e na ordem indireta, ousaria dizer que era na forma mais clássica dessa língua. Surpresa maior foi quando olhei para o seu rosto, um rosto conhecido que eu vi em algum lugar. Só não sabia aonde?
Ele continuou me ignorando. De repente me deu um estalo: claro eu conhecia aquele homem e sem titubear, perguntei:
- O senhor não é o Padre José de Anchieta?
Ele parou de escrever, virou-me para mim e respondeu:
- As suas ordens!
Quase desmaiei de susto! Não era possível, o Padre José de Anchieta, O Catequista em Guaratuba?! Fiquei escolhendo as palavras:
- Como o Senhor chegou até aqui?
- Cheguei de Ferry boat...
- Não acredito! E veio fazer o que?
- Ora, meu filho, não seja chato, o mesmo que você!
- Andar de manhã pela Praia?
- Sim, e também escrever... Fiquei atônito. Olhei para todos os lados para ver se via outras pessoas, pois queria compartilhar com as mesmas a minha descoberta : a presença do Padre José de Anchieta em nosso balneário Paranaense. Mas não vi ninguém. Para distrai-lo ousei perguntar:
- O senhor está escrevendo algum poema para Nossa Senhora ou preparando um sermão para a Missa de Domingo?
- Nem uma coisa e nem outra. Respondeu já meio contrariado. Estou escrevendo para o Lula...
- O Luiz Ignácio?
- Esse mesmo...
- Mas ele sabe ler latim? Insisti, cada vez mais surpreso.
- Ele? Ele não, mas ele pede para a Dilma traduzir!
- Ela traduz?
- Também, não! Ela por sua vez pede para o Mercadante que foi seu ministro da educação...
- Ele traduz?
- Também, não!
Senti que estava havendo um jogo de "empurra" de um para o outro e que a conversa iria longe. Olhei mais uma vez para os lados e ninguém apareceu para testemunhar a presença do Catequista entre nós. Desisti. A conversa ficou insossa, fiquei sem jeito de continuar perguntando e me calei. O religioso voltou a escrever na areia. Só fiquei imaginando o que ele estava escrevendo e logo para o Lula.
Coisa muito boa não seria pelas bobagens que o mesmo andou fazendo na vida pública. Foi quando arrisquei a derradeira pergunta:
- O que o senhor está escrevendo para o ex-presidente?
- Nada demais meu filh, estou apenas perguntando se ele não quer vender o seu tríplex do Guarujá.
Estou necessitado de comprar um que tenha elevador porque não posso mais subir escadas: meus joelhos não aguentam mais de tanto rezar para que o Brasil tenha um futuro sem corrupção!
E deu uma gargalhada gostosa, mas tão estridente que eu acabei acordando! Meu Deus foi tudo um sonho! Respirei aliviado, pois estava na minha cama. O relógio do criado mudo marcava seis horas da manhã. Suspirei três vezes e logo me deixei cair no sono reparador.
Antes, porém, rezei fervorosamente para o Padre José de Anchieta conseguir achar o "dono" do tríplex. Mas acabar com a corrupção em nosso país só mesmo com a chegada do Messias, e assim mesmo só com reza braba e um milagre fora de série!