Parada Técnica
Depois da turbulência política dos últimos acontecimentos e para dar tempo ao tempo, por ser este o melhor remédio para ocasiões inexplicáveis, tomei uma iniciativa para colocar as idéias no lugar. Ontem pela manhã resolvi passar o dia na bucólica Antonina, terra de meus antepassados. Olhei no relógio de pulso e era exatamente nove e meia quando sentei no meu luxuoso automóvel, um Fiat 147, cor laranja, impecável e com todos os acessórios originais de fábrica.
Minha mulher sentou ao meu lado e como sempre fez uma pequena oração e depois liguei o motor do possante. Estremeceu o edifício onde moro e acordei a vizinhança porque esqueci de consertar o cano de escape do carro, cheio de buracos em razão de seu longo tempo de fabricação. Mas eu gosto do som mavioso do cano de escape porque me lembra muito o de uma Ferrari, sabe aquele carro italiano feinho, difícil de entrar e que o dono tem a sensação de estar dirigindo uma lata de sardinha? Não sei porque fabricam carros tão apertados. Nem que me oferecessem cinquenta dólares eu trocaria meu Fiat 147 por uma Ferrari vermelha, ademais nem gosto desta cor.
Em menos de duas horas eu estava iniciando a descida da Estrada da Graciosa curtindo as curvas e apreciando a bela natureza, pena que o tempo estava literalmente esfumaçado, fruto da fuligem, gás carbônico e fumaça que saia do cano de escape. Desci a Serra do Mar sem preocupação e o Fiat reinou por todo o trajeto pois cada carro que ultrapassava o motorista buzinava e fazia gestos indefinidos. Acho que estavam morrendo de inveja ou apressados demais, mas em três horas avistei o rio Nhundiaquara e minutos depois estava comendo um gostoso barreado.
Fiquei nostálgico porque na cidade de Morretes nasceu minha avó paterna Anna Maria que nem meu pai conheceu porque ela morreu no parto. Minutos depois atravessamos a ponte de ferro sobre o rio e rumamos à Antonina. Como a estrada asfaltada é estreita, tem muita curva e trechos onde passa o trem, fica difícil a ultrapassagem e por isto formou uma longa fila de carros atrás do meu Fiat. A turma fazia um buzinasso e eu até agora não sei o porquê, mas desconfio que queriam realizar ultrapassagem e não conseguiam porque seus carros não tinham a mesma potência de motor do que o meu Fiat 147.
É por isto que não vendo e nem troco o meu carro pois além disto o conforto interno é um show a parte, cabe confortavelmente quatro pessoas e um cachorro da raça Pinscher. Só quando eu avistei a estação da Estrada de Ferro, bem na entrada de Antonina, que os carros conseguiram passar. Notei que muitos motoristas me olharam com cara feia, com certeza porquê ninguém conseguiu ultrapassar o líder. De pronto compreendi que era dor de cotovelo. Ah, se inveja matasse com certeza só eu chegaria vivo com meu Fiat 147 na cidade. E para espantar os maus agouros parei na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, padroeira de Antonina, e rezei fervorosamente por uns dez minutos.
Mais calmo e aliviado do estresse fui para a Ponta da Pita onde comi dois bolinhos de camarão e um copo de garapa. Voltei para o centro e fui visitar a “Bica da Santa”, o bairro denominado “Alto da Graciosa”, o Morro do Bom Brinquedo, passei pela rua XV de Novembro e parei meu Fiat no Mercado Municipal. Em poucos minutos uma multidão apareceu para bisbilhotar o meu carro parecia um bando de curiosos atraídos como enxame de abelhas quando avista a colmeia.
De longe eu só admirava a curiosidade das pessoas que não acreditavam que ainda existisse um Fiat 147 rodando, em perfeito estado apesar de muitas pontas de ferrugem por toda a lataria laranja. Eu me aproximei sorrateiramente como se não fosse o dono do carro e perguntei para um senhor, de idade provecta, se ele gostaria de comprar :
- Claro que não ! - ele respondeu de pronto.
- Então por quê o senhor está olhando com tanta admiração ? - arrisquei.
- Não, pelo contrário, eu só fico imaginando quem teria tanto mal gosto de ter um carro tão velho e imprestável como esse Fiat, caindo aos pedaços …
- Inveja, pura inveja ! - pensei só para os meus botões e sai do local em direção do trapiche.
- Moço, moço. - virei para trás e vi um pescador com certeza morador da cidade que me perguntou :
- Quer trocar o Fiat pela minha canoa feita com um só tronco de madeira ?
Fingi que não ouvi e fui até o final do trapiche, ainda bem que o pescador desistiu de me incomodar com uma proposta tão indecente.
Como eu disse anteriormente meu carro eu não vendo, não troco e nem dou. E ponto final.
Voltei com minha mulher para o carro quando não tinha mais ninguém por perto, liguei o motor, coloquei o pé no acelerador até o fundo, levantou uma poeira negra de fumaça que logo se espalhou por toda a cidade. Só assim consegui me livrar dos invejosos e retornei para Curitiba. Quando estacionei o Fiat na garagem do edifício senti um grande alívio. Olhei para o relógio e passava das vinte e três horas, a viagem foi normal pois o carro subiu a serra e só parou sete vezes para colocar água no radiador, por causa do aquecimento do motor. E duas vezes para trocar os pneus que furaram. No mais a viagem foi tranquila e sem novidades. Desliguei o carro e me senti renovado do estresse dos dias anteriores e resolvi continuar escrevendo minhas crônicas, sempre com a alma lavada por ser um feliz proprietário de um Fiat, 147 …
“Tem carros e tem o Fiat 147, de cor laranja e sem cano de escape. Os primeiros são fabricados para serem vendidos a torto e a direito para proprietários comuns; e o segundo feito para pessoas de ótimo gosto e amantes de veículos especiais. Felizes são os donos de Fiat, 147 um verdadeiro carro para os deuses do Olimpo.”
Edson Vidal Pinto
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