Pensando Na Vida
São tantos os acontecimentos do cotidiano que até esqueço de escrever que há algum tempo estou frequentando a senzala que nada mais é do que a Academia do Coração do Hospital Costantini. Como cardiopata sou cobrado para fazer ginástica e confesso que não gosto nem um pouco, aliás nunca gostei de fazer exercícios, nem mesmo os de aritmética. Vou contrariado, empurrado, puxado, rebocado, mas eu acabo indo de livre e espontânea pressão. A Academia atendida por três competentes fisioterapeutas está situada no terceiro andar do prédio do hospital, devidamente equipada com aparelhos de ginástica e sob rigoroso controle para prevenir do Covid.
Embora seja um espaço amplo, com janelões frontais, só é permitida a frequência de um pequeno número de usuários. E três vezes por semana, sempre as onze horas da manhã, depois de medir a pressão arterial eu começo minha jornada ciclística, pois sentado na bicicleta ergométrica que não sai nunca do lugar fico pedalando por trinta ou mais minutos. E as vezes vou longe, para onde minha imaginação me levar. Mas na última semana eu tenho olhado da bicicleta onde estou sentado, pela janela e deparado com uma pequena sacada de um prédio de aspecto bem simples, localizado há uma distância não muito longínqua, uma senhora de idade sentada em uma cadeira olhando as imediações. Aquela mulher sempre está no mesmo local quando me sento na bicicleta. Então passei a pensar comigo mesmo sobre aquela figura solitária.
Pela aparência apesar da distância a senhora deve ter mais de oitenta anos; o quê será que ela está pensando? Ou ela estaria ali na esperança de reencontrar alguém? Será que ela sonha? Com um amor que partiu? Talvez esteja rezando por alguém?
Quem sabe esteja sofrendo de solidão? Pode ser também que esteja feliz e dando graças a Deus por ter uma família saudável. Quem sabe? Enquanto eu continuo pedalando e suando sem desviar os olhos daquela sacada. Tenho vontade um dia de conhecer aquela mulher e perguntar se ela não cansa de ficar naquele mesmo lugar toda a manhã, olhando resignada para todos os lados.
É claro que não tenho esse direito, seria uma intromissão indevida. Prefiro ficar sem saber e tirar minhas próprias conclusões mesmo tendo ciência que talvez não sejam as mais verdadeiras. Acho que a senhorinha fica na sacada para olhar o horizonte, uma linha imaginária que esconde um outro lado invisível pois os olhos não enxergam. Mas talvez ela enxergue lembranças que lhe são caras, momentos que foram só seus, conquistas, amizades do coração e a felicidade perdida. Sim, claro, é isto mesmo. Ela fica absorta e feliz com tudo que vê, o importante é que que ela é uma mulher feliz.
Terminou meu tempo e paro de pedalar.
Mas arrisco olhar para a sacada antes de fazer outro exercício e a mulher não estava mais no local, tinha entrado para o interior do apartamento. Continuei olhando para ver se ela aparecia, mas foi inútil. Percebi então que eu estava feliz na senzala, com certeza por achar que a mulher da sacada era uma pessoa feliz. E talvez seja mesmo, quem pode dizer o contrário? Afinal ela tem todo esse direito ...
“Quem pode dizer que uma pessoa seja feliz ou não? Mas dá para imaginar só de olhar alguém numa sacada. É verdade. Basta olhar com bons olhos, nada mais. E se acontecer com você tenha certeza que enxergar a felicidade nos outros faz muito bem para a alma!”
Edson Vidal Pinto
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