Período da Gula.
É sempre assim: entra ano e sai ano, pinheirinho montado na sala, boneco do Papai Noel sobre os móveis, guirlanda de Natal pendurada na porta de entrada, mini presépio e a boca salivando a espera dos festejos de final de ano. Não, não me refiro a tradicional noite da véspera de natal e nem no dia do Natal para comer as sobras do que foi servido na noite anterior, não mesmo.
A orgia da comilança começa no primeiro dia de dezembro, com jantares quase todas as noites, porque não faltam nunca motivos para comer. Uma noite é com amigos da faculdade, a outra com a turma do futebol de pelada, tem a do encontro dos velhos escotistas, com a turma do trabalho, com os casais de amigos, com os amigos dos amigos, com os moradores do condomínio, com os colegas do mestrado, do doutorado, do pós-doutorado e assim por diante.
O mês de dezembro deveria ter sessenta dias para que pudéssemos cumprir nossos compromissos sociais ao redor de uma mesa com os melhores quitutes. E todo o sacrifício do regime feito ao longo dos onze meses antecedentes, vai acabar na barriga -, lugar esteticamente mais sensível para os homens. Sim, porque podem surgir papadas, olheiras, calvície, pelancas em todo o corpo que o sujeito acha que está “abafando”; porém quando o volume da barriga cresce, o homem caiu em desgraça.
A camisa não fecha, a calça aperta, o colarinho sufoca e ele sabe que todo mundo olha, penalizado com o estado de relaxo. Mesmo nesta situação extrema o homem no mês da gula é atraído à mesa como mosca no açúcar. E o mês de janeiro? É o mês tardio, que deveria ser chamado mês do arrependimento ou de afrouxar as calças. Sim porque depois de tanto comer o peito estufa e a calça aperta na barriga, falta ar e dá palpitação.
O sufoco só termina quando o sujeito chega em casa, senta na poltrona, solta a cinta e a barriga se expande como geleia. Mas a bem da verdade não é possível passar o mês de dezembro sem comer nos encontros com os amigos, afinal nos finais das festas as despesas são rateadas, mesmo entre aqueles que fizeram dieta ou beliscaram quase nada.
Então o negócio é comer mesmo, depois que venham as preocupações consequentes. E por falar em comida não me esqueço do fatídico dia que minha mulher me pediu para comprar um leitãozinho assado para a ceia de natal.
Naquela época os leitões eram vendidos no restaurante da Sociedade Thalia. Alguém se lembra disto? Pois é, fui com meus dois filhos, ambos crianças, até o local onde deveria ter uns trinta leitões assados e recheados.
Com medo que pudesse ser pouco comprei (eu acho) o maior porco em exposição. Fiquei até orgulhoso pela escolha, pois todos que foram com igual propósito se entreolhavam, pela minha magnífica compra. Transportar o bicho até meu apartamento foi uma epopeia. Quando chegamos os meus dois filhos estavam literalmente cobertos de óleo, até os cabelos. Minha mulher ficou horrorizada com o tamanho do animal, pois segundo ela, daria para servir umas quarenta pessoas. E pensar que a ceia era para apenas dez pessoas.
Confesso que o cheiro me mareou e não comi nenhum pedaço. E o pior: no dia seguinte cheirava porco assado em todo o prédio! Não teve quem não sentisse o cheiro do dito animal. Minha mulher dividiu o porco presenteou todos os conhecidos e desconhecidos do condomínio. Esta história deu o que falar. Nunca mais fiz compras sozinho, nem para comprar rapadura...
“Mês de dezembro é período da comilança sem dó e nem piedade. Parece até que não é pecado comer muito. São os encontros e festas de final de ano. Tem mil e um pretextos para a pessoa se reunir ao redor de uma mesa de comida. E a barriga? Ah, ela fica esquecida até quando o novo ano começa!”
Edson Vidal Pinto