Por favor, também quero fotografar!
Hoje, 12 de janeiro, quinta feira.
Continuo sob a influência do calor de Guaratuba e apreciando a imensidão do mar! Meus pensamentos estão a mil, o sol está a pino e meus dedos percorrem a tela do celular dedilhando as letras para moldar a crônica do dia. E desta vez eu vou longe, volto no tempo, e vejo-me sentado na poltrona de couro, de cor vermelha, em plena sessão do Cine Avenida assistindo “Lá Dulce Vitta" com Marcelo Mastroiani e Anita Ekberg. De repente aparece na tela a cena ontológica dos dois atores, enamorados e felizes, dentro do repuxo famoso da Fontana Di atrevi.
Ah! A plateia não tira os olhos do filme, extasiados com a beleza das esculturas em mármore de Carrara daquele majestoso logradouro! Sai do cinema jurando para mim mesmo que um dia eu repetiria aquela mesma cena juntamente com a mulher amada. Particularmente não gosto de comentar sobre as viagens que fiz para o exterior para não demonstrar soberba, parece que a gente quer aparentar e aparecer aquilo que não é, pois sempre primei pela simplicidade. Neste caso, contudo, abro uma exceção. Desde que assisti aquele célebre filme italiano meu propósito era visitar Roma.
E como diz a voz do povo: "Quem tem boca, vai a Roma” , um dia cheguei lá! Em uma semana a minha vontade mesmo era visitar a tal Fontana Di atrevi, todo o dia eu repetia para a minha mulher este meu propósito, mas sempre surgiam outras prioridades. Tínhamos contratado uma guia, era uma brasileira que morava na cidade e que por indicação de terceiros tínhamos contratado seus serviços para conhecer bem a "Cidade Eterna".
E quando ela disse que iríamos a “A Fonte dos Amores" o meu coração disparou! Eu estava prestes a realizar meu grande sonho, eu iria tirar fotografias com minha mulher, jogar moedas na fonte, queria cantar em italiano, colocar os pés na água, dar risada e demonstrar toda a minha alegria. Eu queria usufruir de um momento especial com quem mais amo! Quando a guia nos apanhou no hotel me encontrou pronto para um Safari: duas câmeras fotográficas e a minha inseparável filmadora!
Era eu e o Jim das Selvas, super preparado para desfrutar da paz na savana africana. Ledo engano!
À medida que nos aproximamos da Fonte Di atrevi as ruas foram estreitando a ponto de não permitir a circulação de um único automóvel, tivemos que caminhar a pé, sob o sol abrasador do verão europeu. Comecei a suar por todos os poros.
E o pior, parece que parte dos habitantes da China, Japão e Coreia tinham resolvido fazer ponto no lugar. Não importa para que lado olhasse, tinha uma onda de orientais vindos de toda parte, com milhões de câmeras fotográficas e bilhões de filmadoras! Todos falando rapidinho, com sorriso pequenininho nos lábios e olhos bem abertos, pareciam um bando de formiguinhas marchando cada qual em caminhos diferentes. Sem muita escolha eu me deixei levar pelo fluxo humano. Eu não sentia meus pés, eles estavam suspensos no meio daquele mar de pessoas. De repente parecia que eu estava no olho do furacão: senti que meu corpo estava parado, todos ao meu redor estavam estáticos, imaginei que alguma coisa tinha acontecido.
Eu não via nada e não sabia de nada. Foi quando ouvi a voz da guia, apenas ouvi e não pude ver onde ela estava no meio daquela turba:
- Chegamos! Chegamos à famosa Fontana Di atrevi!
- Olhei e só vi na minha frente cabelos pretos e lisos, do lado de trás das cabeças daqueles milhares de orientais que estavam postados próximos da fonte. Desespero maior foi quando eu vi minha mulher numa parte mais elevada da rua, acenando em minha direção e apontando com uma das mãos na mesma direção em que os nipônicos direcionavam as suas artilharias de apetrechos fotográficos. Deduzi que minha mulher estava vendo de longe a minha "Fonte dos Desejos".
Mais do que depressa entreguei minha câmera fotográfica para alguém que estava na minha frente e por gestos implorei que ele tirasse fotos para mim. Ele não se fez de rogado, pegou minha máquina e foi passando ela de mãos em mãos para os que estavam na fila da frente, até que ela desapareceu. Pensei: maldita hora em que resolvi satisfazer meu sonho, com certeza surrupiaram minha câmera de 800 dólares! Olhei para os que estavam na minha frente e como um passe de mágica, não há de ver que a câmera voltou às minhas mãos! Fiz um julgamento errado, afinal qual chinês gostaria de subtrair uma porcaria de uma câmara fotográfica de reles 800 dólares? Pelo menos eu tinha fotos da fonte, faltava realizar outros desejos, mas vi que era impossível cena de amor nem pensar e colocar os pés na água estava fora de qualquer cogitação.
Gritei desesperadamente para minha mulher:
- Jogue moedas na fonte! Jogue pelo amor de Deus!
Vi que ela tirou do bolso e jogou algumas, porém estava longe demais, dos três arremessos dois caíram no meio da multidão e a outra bateu na cabeça do único japonês careca que estava no local! Depois de muito custo nos afastamos da fonte após vencer a avalanche de outros tantos nipônicos que vinham sentido contrário.
A única vista que tenho daquele repuxo esculpido e famoso são três fotografias que um ilustre desconhecido tirou para mim. Voltei frustrado porque fui a Roma e não pude ver e nem "curtir" aquela fonte glamorosa da Anita Ekberg. Juro que vou voltar um dia, minto, um dia não, uma noite!
É verdade, numa noite qualquer e de preferência no inverno mais rigoroso da Europa, eu irei com minha mulher visitar a Fontana de atrevi para protagonizar um beijo romântico, rir de felicidade, colocar os pés na água (nem que depois eu tenha que ser hospitalizado) e jogar as moedinhas sem ninguém para atrapalhar! Turismo tem destas coisas, não é mesmo? Não tem viagem que tenha uma pequena frustração.
E o Coliseu? Ora, deixe pra lá, uma coisa de cada vez!