Proibido Para Maiores de Sessenta Anos
É uma desgraça fazer a barba apenas com barbeador elétrico quando este escorrega da mão, cai no chão e quebra. O jeito foi ficar com a metade da barba sem fazer e sair de casa para comprar outro novinho em folha. Mas comprar a onde? Foi daí que eu lembrei que os shoppings para a felicidade geral dos paranaenses abriram suas portas e como resido há poucas quadras do Shopping Barigui não titubeei nem um segundo: álcool nas mãos, máscara no rosto para também disfarçar minha meia barba e seja o que Deus quiser! Quando cheguei o pátio do estacionamento frontal estava mais ou menos ocupado -, menos as vagas de idosos que estavam ociosas.
Escolhi uma delas e sem precisar manobrar parei meu carro. Só quando fui descer do veículo é que me dei conta que menores de doze e maiores de sessenta anos não podem ingressar no prédio. Culpa do famigerado Covid-19. E como sou cidadão cumpridor das leis fiquei sentado no auto, apreciando o movimento de pessoas que entravam e saíam do Shopping com semblante de alegria que dava para ver através da máscara que usavam. Fiquei pensando: o que adianta ter vaga de idoso no pátio de estacionamento se não podemos entrar no shopping? Foi minha primeira reação emotiva. Me esforcei para não chorar. E num segundo momento fiquei pensando como entrar furtivamente para comprar meu indispensável barbeador Phillips.
Aparelho de Gillette nem pensar, pois considero um instrumento pré-histórico e jurássico. Meu Deus, por culpa do vírus estou pensando em delinquir -, vi na porta da entrada principal três seguranças. De longe não pude distinguir se eles estavam pedindo certidão de nascimento ou carteira de Identidade para as pessoas que pretendiam ingressar a fim de conferir a idade de cada uma. Bem por isto nem me atrevi saber suas intenções se algum “excluído” tentasse burlar a entrada. Imagino que seriam expulsos, porém os “penetras” que não tivessem documentos seriam conduzidos para uma sala decreta para serem torturados; ou quem sabe os mais insistentes pudessem ser sumariamente condenados por um juiz de plantão.
É por isso que optei por não entrar pelo caminho tradicional da porta da frente, jamais! Com minha mente criativa em ebulição pensei então em escalar pela parede onde tem duas letras bê, estilizadas, uma do lado da outra, sobre uma luz verde, para sorrateiramente ingressar pelo telhado. Só de imaginar desisti da ideia quando lembrei que minha labirintite se manifesta quando estou nas “alturas”. Basta subir um metro do chão e a tontura vem do nada. Outra ideia que me ocorreu foi pedir para uma moça insinuante, bem vestida, com maquiagem carregada no rosto, de vestido curto acima do joelho, calçando botas de cor branca, que se aproximou do meu carro quando aproveitei para lhe pedir o favor de comprar na “Fast” o dito cujo barbeador.
Ela prontamente aceitou. Agradecido dei para a moça mil reais em dinheiro,- ela pegou as notas com muito carinho, colocou dentro do sutien e disse que no máximo em quinze minutos voltaria com a mercadoria. Em seguida ela entrou saltitante no Shopping. Fiquei esperando. Putz, mas faz mais de cinco horas que moçoila de bota branca pegou meu dinheiro e não voltou com meu barbeador.
E o pior: o shopping está fechando. Fora do carro está um frio do Alaska. E eu sem saber o que fazer: com a barba pela metade, sem dinheiro, as luzes do shopping apagando e tenho que voltar para casa e dizer para minha mulher que não comprei o barbeador e que uma moça levou meus mil reais. Não sei se ela vai acreditar na história, mas por via das dúvidas antes de chegar em casa vou passar por uma farmácia e comprar um aparelho de Gillette. Afinal a gente não sabe quanto tempo este vírus ainda vai atrapalhar nossas vidas; e eu nem sei se algum dia poderei entrar no shopping para comprar meu barbeador elétrico ...
“A sina do idoso é ficar em casa. Só quem precisa é que pode sair sem ficar com dor na consciência. Mas entrar no shopping o idoso não entra de maneira nenhuma, nem para comprar um barbeador elétrico. Até quando? Até quando? Quem tem a resposta?”
Edson Vidal Pinto
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