Promotor de Juri
Na minha adolescência eu ficava admirado quando ouvia meus professores falando na frente de tantos alunos com total desinibição, como se estivessem dentro de suas próprias casas. Mais ainda quando deparava com a desenvoltura do então governador Ney Braga nos seus pronunciamentos, com frases bem concatenadas e mensagens certeiras. Eu também gostaria de ser assim, poder me comunicar sem inibição e falar perante o público com a mesma serenidade. E só de pensar o quão difícil que era eu tremia. Não sei porquê mas quando cheguei na fase de optar qual o curso superior eu gostaria de fazer sem nenhuma dúvida decidi pelo Direito. Imaginei que dentro do currículo eu teria belas aulas de oratória e perderia o medo de falar em público.
Nos cinco anos do curso não tive nenhuma aula e nem mesmo um arremedo de oratória. Saí da faculdade como eu tinha entrado, com igual receio quando tivesse que fazer sustentação oral -, ou no Tribunal do Júri ou em sessão do Tribunal de Justiça. No final de 1.967 terminei o estudo acadêmico na PUC. Meu diploma precisava do registro no MEC e só foi regularizado no final do mês de setembro de 1.968, com o detalhe que no mês seguinte fui nomeado Promotor Substituto. E para minha maior surpresa no final de outubro eu estava sentado na cadeira do Ministério Público da Comarca de Rio Negro, na sessão do Tribunal do Juri, de um crime de repercussão na região e cujo réu estava sendo defendido pelo Prof. José Rodrigues Vieira Neto e seu estagiário Edgard Kartswinkel Júnior. Pensei mil vezes em correr dali e sumir pelo mundo, mas como sempre gostei de desafios, permaneci trêmulo e esperando no que iria dar aquela minha estréia.
E no final do julgamento quase que o réu foi condenado. Enfim eu tinha vencido minha inibição. Sobre o Júri referido eu fiz uma crônica jocosa que faz parte do meu livro “Flagrantes do Mundo Jurídico”, da Editora Juruá, cuja leitura recomendo aos jovens acadêmicos de Direito para saber o que passei e as peripécias que sem querer “armei” para enfrentar a perspicácia e experiência do saudoso Mestre Vieira Neto. Pois bem, daquele dia em diante passei a enfrentar com mais naturalidade quando tive que falar em público, embora até hoje eu ainda sinta uma ponta de receio e nervosismo. Mas de toda sorte fiz dos plenários do Tribunal de Juri pelas Comarcas onde passei um palco seguro para minhas atuações, tendo neles “enfrentado” grandes e respeitáveis tribunos. Foi quando retornei à Comarca da Lapa nos anos 1.972/73, que ocorreu um episódio inusitado e do qual vou contar nesta minha crônica.
O então Juiz de Direito o saudoso dr. Antônio Oesir Gonçalves designou cinco júris para o período de uma semana, cujos réus tinham defensores diferentes. Um deles tinha como advogado o também saudoso dr. Mario Jorge, um profissional brilhante que atuava com sucesso no Tribunal do Júri de Curitiba. Ele era um causídico diferenciado porque pesquisava todas as circunstâncias do fato que envolvia seu cliente, filmava, também ouvia pessoas do local sobre os comentários do crime e explorava em minúcias as provas produzidas nos autos. Sagaz, irônico e muito bem articulado era um terror para os Promotores de Juri.
Eu sabia disso e me preparei como pude. Semanas antes do Júri surgiram dois fatos inusitados: o primeiro é que havia uma grande possibilidade de eu ser removido para a Comarca de Siqueira Campos, pois na Lapa eu estava apenas designado; e a segunda que o dr. Mario Jorge passara um dia inteiro na Lapa percorrendo bares, outros lugares mais concorridos e, também onde ocorreu o homicídio praticado pelo seu cliente.
Sua presença na cidade despertou comentários. Porém as datas dos júris estavam se aproximando e minha remoção não tinha saído, foi quando então o dr. Mario Jorge protocolou uma petição pedindo o adiamento do Júri pois estava acometido de forte resfriado. E assim foram realizados os quatro outros Júri menos aquele que fora adiado. Na semana seguinte saiu minha remoção e mudei com a família para a Comarca de Siqueira Campos. Só no mês de abril de 1.980 eu cheguei definitivamente em Curitiba, vindo da comarca de Umuarama, quando então fui designado pelo saudoso dr. Henrique Lens César, na época o Procurador Geral de Justiça, para realizar um Júri cujo defensor era o saudoso dr. Elio Narezi, um criminalista de nomeada. O Tribunal do Júri foi presidido pelo dr. Adolpho Kruguer Pereira, de saudosa memória, o plenário estava lotado de curiosos e alunos de Direito. E lá também estava sentado na primeira fila o dr. Mario Jorge com outros advogados movidos pela atração que tinham pelas performances dos profissionais protagonistas da sessão. Até então eu não conhecera o dr. Mario Jorge pessoalmente. Iniciados os trabalhos e após minha peroração acusatória o Juiz interrompeu o Júri para um pequeno descanso, antes de dar a palavra ao dr. Elio. Foi neste momento que vi o dr. Mario se aproximar de minha tribuna e dizer com sua voz rouca:
- Você sabe por quê eu pedi o adiamento do Júri lá da Comarca da Lapa?
Olhei espantado para ele e esbocei um leve sorriso:
- Porquê como sempre faço percorri a cidade para saber como era o Promotor e ninguém me falou mal de você ...
- ?
- E quando isto ocorre em uma cidade pequena não é nada bom para a defesa de um réu de homicídio. - E concluiu. - Como me disseram que você poderia sair da Lapa dentro de dias, pedi o adiamento do julgamento. No mês seguinte houve o Júri e como ninguém conhecia o Promotor que era novo na cidade o acusado foi absolvido! - e deu uma gostosa gargalhada.
Eu também ri , ele me estendeu a mão e nos cumprimentamos. Deste dia em diante nos tornamos ótimos amigos e grandes adversários nos embates forenses quando eu fui Promotor titular da 1a. Vara Criminal de Curitiba, por mais de dez anos . Taí um segredo que os jovens criminalistas não sabem quando tiverem que atuar nos júris das pequenas comarcas, uma lição de um calejado advogado que deixou imensas saudades ...
“O dr. Mario Jorge jamais esmorecia no exercício de sua advocacia criminal, atuava com destemor e sempre tinha nas mangas de sua beca, um trunfo que guardava para o momento decisivo do Juri. E sua pupila dra. Terezinha Elinei de Oliveira tinha igual sagacidade e amor pelo Direito Penal. Fizeram uma dupla vitoriosa na área Criminal”.
Edson Vidal Pinto
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