Quando Caí do Cavalo
Nos trinta anos que atuei na vida pública como agente do Ministério Público quer como Promotor e também como Procurador de Justiça, sempre estive na trincheira e ao lado de meus colegas que combatiam sem tréguas a criminalidade fazendo do Direito Penal o escudo para proteger a sociedade.
Tive bons embates nos processos com advogados de defesa habilidosos e competentes, também recebi ameaças de réus perigosos, uma única vez estive na frente de um revólver ameaçador mas nunca esmoreci no meu ideal por pior que fosse o perigo. Não sou mais e nem menos corajoso do que ninguém, nunca me arvorei com ares de valentia e nem me prevaleci de minha autoridade pois mantive a aparência de homem sereno em razão do ofício que eu exercia. Sempre respeitei as pessoas para ser respeitado.
Não fui melhor e nem pior que qualquer outro Promotor de Justiça da época e cumpri meus deveres profissionais com honra e lealdade à lei. Jamais me imiscui na política e nunca externei a ninguém preferência ideológica. Aliás, diga-se, foi um tempo em que o Ministério Publico era uma Instituição que primava em disciplinar seus agentes para ficarem distantes das querelas políticas, dos partidos e dos políticos.
Convivência apenas dentro dos limites de imparcialidade e respeito. Nada mais. Dentre quase uma dezena de Comarcas que fui Promotor uma delas teve destaque por ter sido uma região conturbada e de muitos homicídios, porém de outro lado tinha gente muito boa e de onde mais deixei amigos.
Fui “convidado” pelo então Procurador-geral de Justiça Prof. Guilherme de Albuquerque Maranhão para pedir minha remoção de Siqueira Campos para Faxinal, com objetivo de tentar apaziguar uma briga que gerou inquérito policial envolvendo o Juiz, o Promotor que foi removido compulsoriamente para Santo Antônio do Sudoeste e um deputado estadual da cidade além de terceiros, por desavença em mesa de jogo de baralho.
Como em Siqueira Campos não tinha casa para alugar e eu morava com minha mulher e meu filho primogênito numa pensão de viajantes e em Faxinal tinha residência oficial, aceitei de pronto a incumbência. E gostei muito da opção que tive pois como disse conheci bons e queridos amigos que sempre lembro com saudades. A comarca compreendia os municípios de Faxinal, Grandes Rios e Borrazópolis era trabalhosa e tinha um alto índice de criminalidade.
Lá permaneci por quase três anos e foi quando nasceu meu filho mais novo. Este embora nascido em Curitiba tem na sua certidão de nascimento a anotação de que seus pais eram residentes em Faxinal -Pr. Foi uma das comarcas onde fiz o maior número de júris: trinta e três ao todo.
E é sobre um deles que vou abordar nesta crônica. Com o passar do tempo fiquei conhecido na região e gozava do respeito dos jurisdicionados a ponto de merecer crédito nas sessões do Tribunal do Júri e me tornar uma pedra no sapato dos advogados que atuavam na defesa dos réus. Foi num destes julgamentos que literalmente caí do cavalo.
O homicídio tinha ocorrido ocorrido numa pequena localidade distante da cidade de Faxinal e o processo continha prova que favorecia a tese da legítima defesa do acusado. O Juiz pronunciou o réu escorado no brocardo “in dúbio pró societatis” (Na dúvida em favor da sociedade) suficiente para levar à julgamento pelo Tribunal do Júri. Mas tecnicamente não daria para condenar.
Agi com todo o cuidado, estudei, li e reli o processo e na sessão do julgamento popular pedi a absolvição do acusado. Contudo para minha surpresa ele foi condenado por votação unânime dos sete Jurados. Fiquei atônito.
Terminada a sessão de julgamento eu me dirigia a pé à minha residência quando fui abordado por um jurado que me disse:
- Doutor, não fique surpreso com o resultado do Júri …
- ?
- Sabe, a verdade do fato criminoso nem sempre está nos autos !
Foi uma lição que aprendi para sempre, pois numa localidade pequena onde tudo se sabe a prova produzida nos autos nem sempre traduz a verdade fática.
Uma constatação insofismável. Para todo profissional não importa a área de atuação de cada um, todo o dia por mais conhecimento e experiência que se tenha, sempre existe uma lição que estava faltando …
“O Tribunal do Júri é uma instituição popular que ensina e dá maior experiência aos profissionais do Direito.
Exige agilidade mental, conhecimento técnico e bom senso. Também dá a oportunidade para o cidadão de bem participar da arte de julgar e contribuir para a valorização da Justiça.”
Édson Vidal Pinto