Que lei é esta?
Todo Juiz vocacionado e só comprometido com a ideologia da Lei, leva na alma a vontade férrea de sempre acertar nas suas decisões, buscando através do estudo do processo e muito bom senso prestar a jurisdição com imparcialidade e zelo. Porém nem sempre isto é possível, pois errar inconscientemente, faz parte da falibilidade humana e de toda atividade profissional. Parece que a arte de julgar se interliga numa série de fatores que são próprias do Julgador, sua formação moral, conhecimento do Direito, simplicidade e clareza na redação de sua sentença para que ela seja entendida pelo homem comum. Sob tal ótica não existe nenhum modelo que sirva de parâmetro, salvo quanto a forma de elaborar a decisão de mérito, no entanto, os fatores antes alinhavados enquadram os mais conceituados Magistrados. Existem julgamentos que por si só mostram a inteligência e o bom senso do Julgador, como do episódio do Rei Salomão ao decidir o caso de duas mulheres, na disputa da posse de um filho menor por alegarem terem dado a luz ao mesmo.
-Cortem a criança ao meio e entreguem cada parte dela às mães que disputam o direito da maternidade!
Enquanto uma mulher permaneceu silente a outra, desesperada, falou:
-Não! Por favor, não! Não quero mais nenhum direito sobre a criança!…
O Rei então decidiu que entregassem a criança a mulher que recusara o direito, pois só uma mãe verdadeira impediria que seu filho pudesse ser exposto ao perigo.
Também, não é menos verdade, que existem outros julgamentos que não fazem parte da História, mas pelo pitoresco, fazem parte do anedotário jurídico. São episódios que fogem dos padrões de normalidade, pelo inusitado, fruto do próprio acaso. Como este que vou contar agora. O fato ocorreu em 1.969 na tradicional cidade e comarca de Ponta Grossa, a Capital Cívica do Paraná, quando lá chegou e assumiu o cargo de Juiz Substituto o dr. Roberto Costa Barros, jovem, vocacionado, filho de família tradicional, desde os primeiros dias no exercício da judicatura demonstrou operosidade e eficiência, angariando respeito dos advogados e jurisdicionados pela qualidade de seus despachos e decisões. Estas eram bem fundamentadas e recheadas de citaçõe doutrinárias e jurisprudência atualizada, nada comum na época, pela precariedade de comunicação. Foi fácil constatar que o novo Juiz dispunha de invejável fonte de pesquisa. É sempre oportuno lembrar que era o tempo em que o juiz trabalhava sozinho, não dispunha de um único auxiliar, tinha que saber datilografar suas próprias sentenças, não existia computador, a telefonia era precária e a única fonte de informação mais rápida era o telegrama ou a via rádio da Polícia Civil. Mas o segredo do dr. Roberto da disponibilidade de uma legislação e jurisprudência mais atualizada, estava nas mais de mil páginas de um livro denominado “Vademecum Forense” que continha a Constituição Federal, todos os Códigos, dezenas de leis, decreto-leis, Súmulas, jurisprudência, verbetes e anotações de artigos que era uma verdadeira mina de sabedoria. Custava caro e não era acessível à grande maioria dos operadores do Direito. O novel Juiz era uma exceção. Num certo dia lhe foi distribuído um Mandado de Segurança com pedido de liminar, cujo direito líquido e certo estava escorado em lei vintenária, uma peça inicial muito bem posta foi assinada por um conceituado advogado da cidade, um homem de poucas palavras, educado e muito considerado pelos seus pares. Quando recebeu os autos o dr. Roberto com todo cuidado leu a inicial, analisou os documentos que a acompanhavam, para em seguida abrir o seu “volumoso” livro onde conseguiu localizar dentro dele a lei pelo qual o advogado do Impetrante alicerçara o Writ. Daí, absorto na elaboração de seu despacho interlocutório (tecnicamente denominado por carregar decisão de mérito para conceder (ou não) a liminar), porém, não se deu conta que a página do livro tinha virado para uma outra, que tratava de lei estranha ao Mandado de Segurança. Sem atentar para o que acontecera o Juiz Substituto cotejou o teor da lei e concluiu que ela não se aplicava ao caso concreto, carecendo o pedido de fundamento, via de consequência, indeferiu o pleito liminar. E para piorar
a situação fez consignar o número e a data da lei pelo qual baseara sua decisão, que era bem mais atual da data da lei do qual fazia referência o “mandamus”.
No dia seguinte quando o advogado leu o judicioso despacho ficou atônito, pois não conhecia a nova lei citada no despacho do Juiz.
Mas discreto, leu e releu a decisão, não fez nenhum comentário e saiu chateado do fórum. Daí, sem nenhum alarde foi até a rodoviária e viajou para Curitiba, para pesquisar onde e quando a tal lei citada no despacho do MM. Juiz Substituto tinha sido publicada…
“O Dr. Roberto Costa Barros hoje é Desembargador aposentado, gozando do respeito e admiração de seus pares. O episódio retrata uma passagem pitoresca de sua vida profissional e marca uma época de dificuldades da Magistratura. Quando o Juiz
caminhava sozinho e era um exemplo para seus jurisdicionados.”