Raio-X de Um livro
Sempre gostei de ler obras literárias mas adquiri poucos livros porque priorizei mais os livros técnicos que me vali em razão de minha profissão. Na minha pequena biblioteca desde que me aposentei logo me desfiz das obras de Direito -, minha contribuição à Justiça ao menos como Juiz Togado chegara ao fim.
Agora quando sento na poltrona do escritório de meu apartamento e passo os olhos nos livros adormecidos na estante, deparo com títulos e nomes de autores e procuro lembrar seus enredos. É claro que nem sempre consigo, salvo quando leio a sinopse impressa na contra-capa. E foi o que aconteceu quando fixei os olhos no livro de Alan Riding intitulado “Paris a Festa Continuou” , Editora Companhia das Letras, onde o autor descreve a vida cultural francesa na época da ocupação nazista na II Guerra Mundial, com os alemães adotando a política de dar espetáculos ao povo para tornar menos conflituoso o seu domínio sobre a França.
Tempo em que Paris era o centro convergente dos grandes artistas como Matisse, Picasso, Rodin, Camus, Rochelle e tantos outros escritores, filósofos, pintores, produtores de cinema, escultores, poetas, atores, cantores e de casas de espetáculos que faziam a efervescência cultural da Europa. É neste palco que o leitor é conduzido para conhecer o cotidiano da ocupação, as implicações decorrentes da censura imposta àqueles que resistiam a invasão e a licenciosidade que tratavam os colaboracionistas. Pois foi nesses quatro anos de ocupação que Paris aflorou com a maior produção de filmes de todos os tempos, os teatros sempre lotados, festas em abundância como se a guerra estivesse sendo travada em outro planeta.
A perseguição aos artistas do contra e ao povo judeu era pouco comentado. Mas quando ocorreu a libertação da França sobressaíram os julgamentos dos Tribunais Judiciais e Tribunais Políticos penalizando os que colaboraram com os alemães numa verdadeira caça às bruxas, inclusive o livro nomina os artistas condenados e suas respectivas penas. Para quem gosta de História o livro é um prato cheio.
A título de mera curiosidade vou pinçar um dos muitos episódios contado pelo autor. Picasso era espanhol e tinha fugido para morar em Paris porque tinha lutado contra o ditador Franco que acabou sendo o herói da revolução em seu país. O pintor tinha seu ateliê em uma rua bem próxima do Rio Sena e de quando em quando recebia a visita de Oficiais do Exército alemão que lhe procuravam para adquirir suas pinturas. Picasso na época já era um artista consagrado.
Em uma dessas visitas apareceu no estúdio um Marechal de Campo do Exército de Ocupação que deparou com o famoso quadro do pintor, que ele tinha acabado de pintar e tinha denominado de “Guernica” em que retrata um ataque aéreo de pilotos alemães contra um grupo de resistentes que se opunham ao general Franco, cena da Revolução Espanhola que contou com a colaboração explícita do Governo Alemão. O quadro mostrava a massacre pela desproporção de armas.
O Marechal olhou o quadro e disse para Picasso:
- Você fez isso ?
E o artista sem titubear respondeu:
- Eu não. Foi você que fez!
Dito quadro atualmente está exposto no Museu do Prado, em Madri.
Sei que cada pessoa tem gosto diferente para leitura, mas vale a pena ler o livro em comento. Eu recomendo. Mas se não for para adquirir o livro pelo menos espero que este relato tenha se prestado para tornar mais prazeirosa a leitura de mais uma de minhas crônicas …
“Ler as vezes é viajar sem sair do lugar, vivenciar fatos sem estar presente e adquirir conhecimento quando o assunto é técnico. Livro é um amigo de todas as horas e lugar. Via certa de cultura e chance de vivenciar melhor o mundo.”
Édson Vidal Pinto