Saudades de Meu Avô.
Até parece que dei um pulo da cama sem ninguém me acordar, vesti minha calça “Farwest”, camisa de manga curta colocou minha meia e meu tênis, tipo conga, um boné e com o coração a mil, na companhia de meus pais e de minha amada irmã, fomos em direção à Estação Ferroviária da Praça Eufrásio Correia.
Do lado de fora dava ver que estava estacionada a composição férrea, com a velha “Maria Fumaça” na frente, soltando vapor pelos lados e fumaça pela chaminé. O ar matinal que senti era típico de uma Curitiba provinciana, com a neblina se dissipando aos poucos. Minha saudosa mãe, protetora, colocou um casaco mais quente para me aquecer. Muitos passageiros estavam em fila na bilheteria, no saguão da estação, comprando passagem.
O meu pai conseguiu ser um dos primeiros a entrar num dos vagões e reservar os lugares do lado que dava para melhor apreciar a beleza da Serra do Mar. Minha vontade naquele momento era já estar chegando a Antonina para abraçar meu avô Gustavo, pai do meu pai. Eu sabia que ele estaria aguardando minha chegada à estação, bem na parte da frente da plataforma, para poder me tirar pela janela do vagão antes do trem parar, me aninhando nos seus braços. Ah! Se eu pudesse nunca mais deixaria ele me soltar, nem por um segundo.
Eu amo meu avô. Sua imagem nunca mais saiu de minha memória e sempre me lembro de sua simplicidade, seu jeito alegre de serem, afetuoso e amigo dos amigos. Velho Lobo do Mar, fez da Marinha Mercante seu aprendizado de vida, dos ensinamentos de Allan Kardek o seu apostolado, sem nunca deixar de atender quem precisasse de ajuda material ou espiritual. Ficou viúvo quando meu pai nasceu e só casou de novo quando desembarcou de vez do navio, para nunca mais enfrentar o mar. Não teve mais filhos, meu pai foi o único.
Ele morava em uma casa pequena, de material, típica da cidade, com três janelas e uma porta na frente, junto da calçada da rua. As janelas e a porta ficavam sempre abertas, Antonina de então, não tinha ladrões e nem conhecia a violência. Com o calor do litoral era comum à porta da frente das residências permanecerem aberta também a noite, para poder entrar o ar fresco da madrugada. No terreno dos fundos uma pequena plantação de bananas e alguns pés de mamão, sendo que não faltavam os pequenos lagartos que corriam de um quintal para o outro.
Meu avô tinha dois papagaios, mania de marujo, um deles o mais velho não gostava de provocação e ficava com as penas de trás da cabeça em pé, gritava sem parar, quando alguém cantava a música da “Nêga Maluca”. Esta era a música que eu mais cantava na casa de meu avô.
Coisa de criança. Lembro que a residência ficava atrás da Igreja de São Benedito, bem próxima da praça principal da cidade onde está localizada a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, a Padroeira de Antonina. Como era bom passear na Ponta da Pita, no Morro do Bom Brinquedo, na Gruta da Santa, no bairro da Graciosa, no trapiche ao lado do Mercado Municipal, do qual vovô era o fiscal da Prefeitura.
Comer bolinho de camarão, bolinho de banana da terra, mimosa, carambola, jabuticaba, goiaba, ostra fresquinha que tirada da casca era regada com limão e sal, faziam o cardápio dos moradores e turistas. Os pescadores chegavam com sua canoas e vendiam nas proximidades do mercado os peixes e camarões que tinham conseguido depois de ficarem dias no mar.
Claro que na época certa, também não faltava o siri e nem o carangueijo, que eram preparados em panelões e servidos com feijão, farinha e salada de cebola. O peixe era prato obrigatório nas refeições. Como era bom andar a pé pelas ruas de Antonina, apreciar seus casarões centenários, rezar na Igreja da Padroeira, e na frente dela avistar a baía de Antonina e bem ao longe o porto de Paranaguá.
Só o capelista ou aqueles que têm nas veias o sangue de um deles, sabe o quão gratificante é sentir no rosto o ar úmido bafejado pelo mar; poder ficar extasiado com os ritmos da Lira de Antonina, com seus músicos ostentando seus uniformes com garbo e alegria.
De repente, acordei e senti que meus olhos estavam úmidos e meu coração apertado de tantas saudades. Tudo não passara de um sonho. Peguei nas mãos de minha esposa que dormia do meu lado, apertei bem de leve, fechei meus olhos e tive a sensação de sentir a presença de meu avô bem perto do meu rosto, sorrindo, com seus olhos azuis e seus cabelos brancos, transmitindo paz. Tentei então manter minhas pálpebras abertas, mas não consegui, e logo dormi profundamente...
“Como é bom sonhar com quem amamos. Das lembranças de minha infância lembro da figura dócil de meu avô paterno,
o único dos avós que pude conviver um pouco mais de tempo. Lamento que os outros foram morar nas estrelas muito cedo, mas eu também rezo por todos eles.”
Edson Vidal Pinto