Sem TV para ver
Sou nostálgico por lembrar do passado mas sempre com os pés firmes no presente, porque dentro de minha ótica de vida todos nós vivemos dos momentos e estes ficam retidos em nossa lembrança como registros fotográficos. São, portanto, álbuns de fotos que a memória guarda enquanto vivermos. Nesta crônica vou rememorar passagens de famílias curitibanas e suas diversões nos anos cinquenta do século passado, quando não tinha televisão e a cidade era ainda provinciana onde as pessoas se conheciam, ao menos de vista. No entanto a falta da televisão não deixava a vida monótona, pois sempre havia um programa para servir de distração. Um deles era passear a noite de automóvel na rua XV de Novembro e Avenida Luiz Xavier com toda a família e havendo vaga estacionar, sem ninguém sair do interior do veículo, a fim de apreciar o movimento das pessoas nas calçadas. E os comentários eram os mais diversos:
-Veja só o traje daquela mulher. - dizia a mãe para a filha que estava sentada no banco de trás com o namorado e um irmão menor.
-Qual mãe ? - perguntava a filha mostrando interesse.
-Aquela de meia idade com roupa de mocinha, que ridícula ! - censurava a matriarca. E o marido do lado, fingindo que não estava vendo, só franzia o cenho sem dizer um pio.
-Pai, quero uma pipoca.-
pediu o menino mostrando insatisfação por não poder sair do carro e por estar apertado no banco traseiro. O pai então abria a porta, saia do veículo, caminhava até onde estava o pipoqueiro com seu carrinho na calçada e comprava pacotes de pipocas para a família. Era uma festa.
-Pedro, veja aquele senhor com um sobretudo alinhado, você precisa comprar um igual. - dizia a mulher para o marido.
-Sim, bonito mesmo. - respondia o marido com a certeza que jamais compraria um igual e nem outro parecido. Pois detestava sobretudo.
-Seu Pedro, posso ir com a Gabriela até o Cine Avenida só para ver a fita que está passando ?
-Pode ir, minha filha se agasalhe e você Tônico acompanhe sua irmã. - respondia a mãe antes do marido, para mostrar ao futuro genro quem mandava na família. E o casal então permanecia dentro do veículo.
-Pedro, olhe quem eu estou vendo … A sapeca da Eliete com o novo marido …
Claro que o acontecido seria conversa para alguns dias e com muitas pessoas, pois na época mulher desquitada de braço dado com um homem servia para um menu de comentários maldosos.
-Fernanda, por favor, deixe a Eliete em paz, ela que viva a vida dela e que seja feliz …
-Credo Pedro, não estou reconhecendo você ! - respondeu Fernanda em tom de desaprovação e censura. Felizmente o casalzinho de namorados voltou com o irmão menor de “vela” e entraram no carro. O Pai para desanuviar a situação então perguntou:
-Olavo, que filme está passando?
-“O Manto Sagrado” seu Pedro, com o Victor Mature …
-Mãe, vamos comer um pedaço de torta e tomar um frapê na “Confeitaria das Famílias”?
-Não, já são quase 21 horas e temos que voltar para casa, amanhã todos terão que acordar bem cedo. - sentenciou de inopino o Pedro para evitar despesas e peso no orçamento familiar. E assim, acionava o motor do carro e deixava o centro da cidade para trás.
Um outro passeio, um pouco mais sofisticado, era aproveitar a tarde de domingo para visitar o aeroporto “Afonso Penna”. Era a alegria dos adultos, adolescentes e crianças. Era chegar, estacionar o carro e se dirigir para o andar superior do prédio, onde existia um grande espaço aberto, para apreciar as aeronaves no solo ou aquelas outras que aterrissavam ou levantavam voo para a admiração dos presentes. Os aviões estacionavam no pátio e era possível então enxergar os passageiros que desciam ou subiam , não faltando acenos com as mãos entre estes e os visitantes. O abastecimento, o ruído dos motores, os maleiros e demais funcionários de terra despertavam as atenções e quando a aeronave se movia a expectativa era enorme.
Quem da minha geração não foi visitar o nosso aeroporto, que atire a primeira pedra! Duvido que exista um. Claro que tinham outros entretenimentos mas os dois citados eram os principais, afora é claro (quem podia) frequentar os clubes sociais como o Curitibano, Country Club , Thalia e Círculo Militar mas de forma comedida, com muita parcimônia para evitar comentários indesejáveis. Depois que surgiu a televisão os velhos hábitos foram deixados para trás, pois as programações seduziram os telespectadores e aos poucos trouxeram o mundo para dentro de nossas casas. O curitibano da gema, amante do sossego e para não enfrentar o clima sempre frio mudou seus hábitos, preferindo ser um observador e critico de uma vida moderna sem muitos freios e inibições…
“O curitibano é uma especie de gente que: não fala alto no celular;
no ônibus cede o seu lugar para pessoa idosa, grávida ou doente; não fura a fila; não joga papel no chão; não gesticula para falar, mas no trânsito, não abre nenhum espaço para o motorista que pede. É implicante com a menores coisas, mas atencioso e prestativo com as pessoas que tem empatia. Tem saudades do Jaime Lerner, não gosta da Maria Louca e odeia o PT. Quem não pensa assim, de duas uma: ou
não é curitibano ou já morreu.”