Sinceramente?
Tudo bem que eu brinco muitas vezes quando escrevo porque faz parte das crônicas temperar os seus conteúdos, para serem digeridos pelos leitores. Tem algumas que são bem aceitas e outras nem tanto, posso medir o grau de satisfação pelo número de pessoas que curtem ou compartilham as publicações diárias.
E o Facebook me informa toda a estatística desta movimentação para meu controle. Cada narrativa ou é aborde de um fato cotidiano ou de um acontecimento pretérito do qual fui protagonista, testemunha ocular ou de oitava (testemunha de ouvir dizer).
Mas nunca deixo de usar a imaginação para idealizar histórias e situações fantasiosas que nunca existiram ou sê reais, foram camufladas para não ferir suscetibilidades. Fiz este introito para escrever que nem sei o porquê de repetidas crônicas afirmarem que meu sonho será um dia morar em Anchorage, no Alaska. Mentira.
Não gosto nem do nosso friozinho do inverno Curitibano, mesmo sem aquela nuvem de garoa que orbita em nossas cabeças e nem com os sopros gelados do vento que batem nas orelhas, imagine morar no Alaska! Cruz credo, Ave Maria.
Talvez eu inconscientemente me refira a Anchorage quando cai a temperatura porque sempre penso nas pessoas que não tem teto para morar, cobertor para agasalhar e vivem perambulando pelas ruas, dormindo embaixo de marquises de prédios, comendo quando dão comida e que muitas vezes se recusam pernoitar em um abrigo público porque não querem se separar do seu cachorro.
O que será que pensam estas pessoas pela vida que levam, sem eira e nem beira, mudando de cidade, sem trabalho definido e sujeito a violência, ao vício e a enfermidade? E suas famílias? Claro que todos eles têm família; abandonaram ou foram abandonados por elas? E também penso se é justo ajudar sem exigir nada em troca; para não contribuir com a indolência e o ócio. Ou a ajuda é um ato cristão de amor ao próximo e por isto o gesto é incondicional? É quase o mesmo que dar esmola para quem pede num sinaleiro, na calçada, na porta da igreja e ficar depois remoendo se é certo ou errado ter sempre moedas nas mãos para ofertar aos pedintes.
Ou será que recusar é atitude de soberba e falta de humanidade? Acho que tem outras maneiras de ajudar quem não se ajuda: tenho uma amiga do coração que é uma conceituada médica muito bem sucedida, que participa de um grupo chamado “Médicos de Rua” que atendem necessitados e orientam para evitar doenças e outros males do corpo. Sem faltar em paralelo o incentivo para os assistidos voltarem para suas famílias a fim de se reintegrarem ao núcleo social do qual nunca deveriam ter se afastado. É um trabalho voluntário digno de aplausos.
Também sei de outra ONG que ajuda puxadores de carrinhos que transportam papéis e objetos recicláveis que são catados do lixo, que ajudam a alimentar suas famílias e orientam no sentido de constituírem cooperativas para melhor se organizarem e terem possibilidade de auferir melhor lucro.
Também é nobre ajudar com dinheiro, alimento ou cobertor uma creche, um lar de idosos, uma família humilde e operosa, ou com um simples gesto espontâneo de gratificar um gari que trabalha na via pública. E quando o inverno chega toda solidariedade é pouca.
Porque passar frio é triste demais, ter os pés, as mãos, a cabeça e o corpo gelado são sensação única de miserabilidade que ninguém merece passar. Nem os que não se ajudam? Sinceramente? Pensando melhor nem estes, pois por piores que sejam não merecem passar frio, porque a dor verdadeira de quem sente frio é como se sentir abandonado em Anchorage...
“Vale ajudar quem necessita? Esta uma questão de consciência. Já sentiu frio sem ter agasalho para se aquecer? Coloque-se na pele de um morador de rua que perambula descalço sobre a calçada fria e úmida da cidade e que dorme sobre um papelão que lhe serve de colchão. O frio é igual para todos. O gesto de ajudar o próximo é que desiguala os humanos!”
Édson Vidal Pinto