Só de Mentirinha.
Tenho saudades do Prof. Israil Cat não só por ter sido um estudioso da arte médica e um salvador de vidas mas pela amizade que cultivamos por mais de cinquenta anos, quando pelo menos uma vez por mês escolhíamos um restaurante para comer sushi , rã, caranguejo e jogar muita conversa fora. Tive o privilégio de ter sido seu amigo do coração.
Na sua despedida um dia antes de sua viagem à São Paulo para se submeter a uma cirurgia delicada em razão de sua idade avançada, jantamos no Restaurante Khan e rememoramos nossas conversas e a alegria de nosso jogo de futebol de pelada nos fundos do Palácio Iguaçú e depois no campo de areia da Penitenciária do Ahu.
Conversamos citando nomes dos amigos que corriam atrás da bola nos sábados à tarde e nas jogadas e gols que faziam nosso melhor entretenimento. E foi o nosso último encontro e com certeza ele sabia disso. Que saudades eu sinto do meu querido amigo. E foi pensando nele que lembrei de uma fato que ele me contou quando um grupo de médicos formados pela UFPr. resolveram alugar um barco fluvial para comemorar bodas de prata de formatura; e por ele ter sido o Paraninfo tanto insistiram para ir junto que acabou aceitando o convite.
O programa festivo era ficar uma semana num rio do pantanal mato-grossense pescando, comendo, bebendo e contando passagens da vida acadêmica. Para quem sempre usufruiu do conforto e nunca gostou de pescar a viagem foi um suplício. Não quanto a convivência festiva, nem a acomodação, o conforto do barco com ar condicionado e banheiro privativo, com refeições de primeira, mas por causa do sufocante calor do dia e principalmente dos esfomeados mosquitos.
Um dia bem cedinho alguns de seus ex-alunos o convenceram a entrar num bote com piloteiro e foram pescar num certo trecho do rio, exigindo que ele usasse pulôver em pleno verão, luvas, chapéu e um véu para cobrir seu rosto tudo para fugir das picadas dos terríveis insetos que infestam a região. Ele disse que suou por todos os poros e embora tivessem lhe entregue a vara de pesca com isca no anzol só alimentou os peixes. Mas o pior de tudo foi quando lhe deu vontade de fazer xixi porque os mosquitos reunidos em bando não permitiam. A pescaria terminou de inopino pois tiveram que voltar para o barco a fim de que o mestre pudesse usar o banheiro longe dos bichinhos.
Ele então me confessou que nunca mais chegaria próximo de qualquer rio e muito menos para pescar. Não deve ser nada fácil para quem não gosta deste esporte ou de aventura se embrenhar rio a dentro e rodeado de mata fechada. Agora vamos imaginar só de mentirinha que eu e você tivéssemos amor por aventura e resolvêssemos viajar pela selva amazônica, sabidamente uma área imensa, inigmatica e perigosa. E o perigo não está apenas nas doenças, nem na quantidade de insetos, nos animais de grande, médio e pequeno porte, na precariedade das rotas e dificuldades de comunicação, mas principalmente por não sabermos que tipo de gente poderá cruzar o nosso caminho.
A Amazônia do lado brasileiro é um espaço de domínio nacional porém ocupada por gente da terra, índios, religiosos, ONGs, grileiros, garimpeiros, milicianos, guerrilheiros e narcotraficantes, ou seja, uma terra de ninguém. E mesmo assim decidimos ingressar pelo Grande Rio para uma reportagem ou quiçá para escrever um livro com páginas de fotografias que mostrassem aos leitores do mundo toda a devastação desse paraíso verde.
Com muita vontade nós dois começamos nossa jornada e de repente sumimos. Se não fôssemos pessoas importantes o nosso sumiço ficaria por isto mesmo; mas como temos algum prestígio o governo federal foi obrigado a diligenciar e rastrear nossos passos para dar um satisfação ao mundo. Ora nossa polícia federal foi incapaz de desvendar o mistério que envolveu o atentado a faca de autoria conhecida contra o então candidato à Presidência da República, óbvio que nunca acharia o nosso paradeiro dentro da imensidão da selva.
Mas por um aborto da natureza não só achou a cova onde fomos enterrados como em curto espaço de tempo identificaram uma dezena de envolvidos em nosso assassinato, inclusive com três deles já tendo confessado as autorias. Eureka, uma achado que é de assombrar qualquer cético. Felizmente a polícia desta vez desvendou o mistério caso contrário o Alexandre do STF encontraria mil razões jurídicas para atribuir o meu desaparecimento e de meu amigo, como sendo mais um crime contra a humanidade praticado pelo Bolsonaro …
“Não gostei de ter me incluído numa história de assassinato em que fui vítima junto com um amigo. Apenas usei da imaginação para narrar um fato fictício. Nada há ver com qualquer outro acontecimento semelhante. Salvo a estupidez de estar num lugar sem lei, inóspito e a mercê de gente bandida.”
Édson Vidal Pinto