Só não vai para o céu quem não quiser
Desde há muito tempo está aberta na televisão brasileira a prodigiosa caçada aos pecadores, com ofertas para todos os gostos propiciando o caminho menos doloroso e certo para chegar no céu. Com o valor apenas de um dízimo o candidato a satanás se transforma em uma semana num maravilhoso anjo, com direito a conseguir com ajuda lá do alto uma mansão, carros, uma empresa com trezentos empregados, pagar todas as dívidas e refazer os laços amorosos com a própria esposa. São ofertas incríveis basta você sintonizar no canal certo, orar e esperar sentado o milagre acontecer.
E se não acontecer espontaneamente você deve comparecer no Templo e pedir ao pastor, bispo ou apóstolo o que você quiser que ele operará o milagre pretendido na sua frente, perante os demais crentes, com ou sem música mas com certeza no palco para que todos possam ver e assistir pela televisão. A cura poderá ser para você andar, pular, acabar com a dor nas costas, enxergar, extirpar um tumor, catarata, tifo e todas as demais dores que existem disponíveis no seu corpo, só que ele não lhe dará dinheiro. Nunca vi na TV nenhum deles oferecer dinheiro, mas, sim, pedir o sagrado dízimo.
E nestes tempos de pandemia todos eles suplicam que seus fiéis paguem o dízimo para o bem de suas igrejas alugadas e que estão com os alugueres atrasados. E caso você resolva aderir uma destas religiões pagando um mísero dízimo por mês, você poderá frequentar todos os templos espalhados aos milhares por todas as cidades, vilas, aldeias indígenas e beiras de estradas. Nelas você encontrará um pregador que tem a mesma voz dos demais pregadores, vestido de terno preto, camisa branca e sempre disposto a receber um pequeno dízimo. Se você pedir ele também poderá fazer um ou mais milagres. Sim porque o milagre está na moda -, antes eles só estavam na Bíblia e esporadicamente por obra de um ou outro Santo que a Igreja Católica levava dezenas de anos para constatar e admitir, mas agora não, esses pastores modernos fazem milagres a torto e a direito.
Tem um que é apóstolo e que prega horas no palco de seu templo e sua por todos os poros, tira um lenço do bolso de sua calça, limpa o rosto e entrega depois o lenço todo molhado para um seguidor que vibra e chora com a oferta recebida. As vezes fico pensando o que será que a pessoa vai fazer com o lenço? Lavar para depois assoar o nariz? Ou ficar passando o lenço molhado de suor em tudo o corpo para curar seus males? É melhor não querer descobrir a intenção e ficar na dúvida acreditando no poder sobrenatural. E nesta época de campanha política o candidato que pertencer a uma destas religiões com certeza levará vantagem porque contará com os votos de seus amados irmãos de fé.
Sinceramente não lembro de quanto tempo atrás surgiram os tais templos novos, capitaneados por pessoas desconhecidas e hoje notoriamente milionárias, que moram e vivem em cama de ouro explorando o grande veio da interminável mina mística. As Igrejas tradicionais ficaram obsoletas porque nelas ninguém opera milagres e nem tornam seus fiéis ricos se não trabalharem. A oportunidade deste novo século para os rapazes e moças que não tiverem oportunidade de emprego é caminhar por uma trilha que tenham duas vertentes: uma é para abraçar a política; e a outra registrar no cartório de Títulos e Documentos o nome de uma igreja e sair pelas ruas caçando fiéis. Claro que deve saber realizar milagres e principalmente: cobrar o dízimo!
No Código Penal (antes da reforma feita por advogados criminalistas) existia um tipo penal que caracterizava crime quando o indivíduo explorava a credulidade alheia -, acho que não existe mais ou caiu em desuso. Enfim, como o pecado está em todas as partes do mundo é claro que as novas religiões são muito bem vindas, todas as pessoas têm opções para galgar o reino do Céu desde que, claro, não deixem de contribuir com um pequeno dízimo ...
“Hoje tem mais templos de religiões modernas do que Faculdades de Direito -, só não vai para o céu quem não quiser. Todo pecador tem mil oportunidades de redenção desde que pague o dízimo. E milagre então? É mais fácil fazer milagre do que passar no exame do Enem.”
Edson Vidal Pinto
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