Terça de Carnaval?
Acordei com ressaca e o corpo todo dolorido depois de pular até altas horas da noite pela Avenida 29 de abril a principal via urbana de Guaratuba. Olhei pela janela e não vi uma única nuvem no céu azul, a claridade do sol cegou meus olhos, voltei a deitar porque minha cabeça girou como carrossel. O ar condicionado do quarto contemporizou um pouco minha prostração.
Tentei lembrar como foi que eu cheguei em casa nesse estado de putrefação e moagem. Logo eu que nunca fui folião em toda minha vida. Me esforcei em concatenar meus pensamentos para lembrar como tudo tinha começado quando de repente apareceu a imagem do Apolonio, meu vizinho do outro lado da rua. Não entendi bem o porquê ele tinha aparecido na minha mente embaralhada de sono e álcool. Só lembro que bebi muito pouco mas como sou abstêmio o pouco deve ter representado muito. Ademais não sou amigo do Apolonio e apenas nos cumprimentamos quando nos vemos e nada mais. Estava envolto em minhas elucubrações quando minha mulher abriu a porta do quarto e falou:
- Posso lavar a sua fantasia de amendoim ?
Fiquei atônito e não respondi. Putz, pensei com meus botões: o que será que eu fiz ontem a noite ? Estou com uma dor de cabeça “daquelas”, apareceu nos meus pensamentos embrulhados o Apolonio, um ilustre desconhecido e agora minha mulher falou em fantasia como se eu tivesse usado para pular o carnaval. Carnaval? Que Carnaval se em Guaratuba não tem carnaval? E por mais que tentasse lembrar não encontrava motivo plausível. Novamente a porta do quarto abriu e minha mulher perguntou :
- Logo mais a noite você vai desfilar com o Apolonio na avenida ?
Daí fiquei mais perdido que padre em terreiro de umbanda. Tudo tinha limite e o meu chegara no limite do limite.
- Meu bem! - disse com certa temor. - O que eu fiz ontem a noite ? Não estou lembrando de nada, só sei que estou com ressaca!!
- Também não sei explicar muito bem pois eu estava na cozinha e você na área da frente ...
- Sei, sei ...
- Nosso sobrinho fez uma “caipirinha” e levou para você experimentar.
- E daí ? - insisti.
- Segundo ele me falou você tomou o copo inteiro ...
- Ah, estou lembrando, estava docinho e muito bom. E daí ?
- Acho que o álcool fez efeito e você começou a pular e cantar marchinhas de carnaval ?
- Eu ?!?!?!
- Você sim ...
- E tem mais ? - quis saber.
- Do outro lado da rua o Apolonio e os filhos estavam também cantando e sambando, todos “torrados” de tanto beber cerveja.
Fiquei em silêncio e comecei a imaginar o vexame que teria protagonizado. Com certeza fomos desfilar na avenida e eu aproveitei para vestir minha fantasia de amendoim que eu herdei de meu falecido pai. Xi, quando meus netos souberem do papelão com certeza vão me deserdar da família. Arrisquei saber mais um pouco:
- Desfilamos só eu e a família do Apolonio na avenida ?
- Só vocês ...
- Ainda bem.
- Que nada o vexame não terminou aí. Teve mais.
- Mais ainda ? Meu Deus !! - exclamei arrasado.
- Sim, encheu de gente para assistir até que a polícia chegou!
- Polícia? Ah, não. Diga por favor que é mentira ...
- Mas não foi, você e a família do Apolonio foram presos.
- Presos ?!?!?!
- Por desobediência civil. Infração por pularem na avenida o carnaval que foi proibido !
- E como vim para casa ?
- Habeas Corpus concedido pelo Gilmar !
Que vergonha, logo dele ? Não teria um outro ministro com mais credibilidade ? Parece que fui favorecido em razão do corporativismo.
E agora? Como vou explicar que tudo foi por consequência de uma “caipirinha” sem maldade ? Foi quando o quarto tremeu com o som surdo de uma trovoada. Então acordei. Estava suando. Abri os olhos e conclui que foi tudo um pesadelo. Tudo porquê o carnaval foi proibido e quando existe proibição é que dá vontade de cair no samba ...
“Tudo que é proibido é bom e engorda. Terça-feira por ser o último dia de carnaval é que o desespero do confinamento explode. Afinal ninguém é de ferro para resistir tantas proibições!”
Edson Vidal Pinto
- Tags: Edson Vidal Pinto