Tudo Muito Estranho
Com os aparelhos eletrônicos ditando o ritmo da modernidade as pessoas aos poucos foram se afastando umas das outras e a família perdeu o centro das atenções, as conversas rarearam salvo aquelas compartilhadas com amigos em lugares preferidos. A parafernália tecnológica hipnotizou a nova geração de humanos que conseguem caminhar pelas calçadas ouvindo música, falando ou assistindo filme na minúscula telinha do telefone celular. Pode faltar tudo menos a bateria do telefone celular, pois sem ele o usuário fica transtornado e sem rumo. Sinal dos tempos.
Há pouco tempo nesta época de final de ano era comum ouvir um ou outro estouro de foguete deixando rastro de fumaça no ar, como prenúncio da chegada de um novo ano e com ele trazendo esperanças de boas novas. O Prefeito de Curitiba proibiu soltar fogos de artifícios que fazem barulho para não perturbar a raça canina que faz parte integrante do clã familiar. O Clube Athlético Paranaense foi campeão dias atrás e os torcedores foram impedidos de festejar ruidosamente na cidade com os tradicionais rojões que faziam a festa das torcidas, para se reunirem em grupos de confraternização e júbilo em obsequioso silêncio.
Festa sem foguete não é festa para os mais antigos onde nem em quermesse de Igreja deixavam de pipocar o barulho ensurdecedor dos foguetes. E os cachorros sobreviviam sem nenhum trauma; talvez porquê se alimentavam só de comida de gente. E os balões no período de festas juninas que cobriam o céu de Curitiba, para a alegria da piazada ? Sumiram. Claro que eles sempre representaram perigo iminente e a proibição foi merecedora de aplausos. Evitar incêndio é dever das autoridades públicas. Mas quem teve a oportunidade de viver no tempo dos foguetes e dos balões com certeza jamais esqueceu do espetáculo que eles proporcionavam aos olhos. Lembrança que vive num livro da vida cuja página está virada. E as serenatas, então ? Quem escutou escutou e quem não escutou não vai nunca mais escutar. Simplesmente porque a cidade tomou contornos de metrópole e a violência não permite que se abuse da sorte.
Nem o barulho dos veículos automotores permitem que a voz do seresteiro possa ser ouvida pela sua amada. Lembram das dancinhas de sábado à tarde que eram improvisadas nas garagens das casas e animadas pelos discos de Ray Coniff tocados na vitrola ? Pois é, acabaram as garagens porque as famílias deixaram suas casas para morar em prédios de apartamentos mais sofisticados e as garagens são destinadas apenas para os automóveis. E acabaram os piqueniques.
O lugar preferido era o rio dos Papagaios, no alto da Serra do Purunã, onde as famílias se reuniam com um farnel repleto de gostosuras e que eram compartilhados por outras famílias, sempre com um banho no rio de pedras, muitas brincadeiras e conversas. Também tinham outros locais como o Parque Verde, a Estrada da Graciosa e lugares ao longo do Rio Nhundiaquara na bucólica e bela cidade de Morretes. Hoje ninguém mais faz piquenique e as crianças nem sabem o que é isto, quando muito elas acompanham os pais pelos parques da cidade ou ficam em casa assistindo TV. Não parece tudo muito estranho ? Eu pelo menos acho, porque minha geração viveu uma época de conto de fadas, sem aparelho eletrônico para desviar a atenção do prazer de viver …
“Como cronista do cotidiano uso da imaginação para comparar o ontem com o hoje; não sou saudosista mitigado e nem vivo do passado. Procuro revelar as fotos antigas para não caírem no esquecimento.”
Édson Vidal Pinto
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