Tupamaros
Lembro que foi em 1.961 quando eu tinha 16 anos de idade e trabalhava na Legião Brasileira de Assistência (LBA) -, órgão do Governo Federal criado pelo Presidente Getúlio Vargas para atender os “pracinhas” após o retorno deles da II Guerra Mundial, tinha por finalidade precípua oferecer assistência no sentido mais amplo inclusive para servir de amparo às suas famílias. Como sabido muitos soldados retornaram do “front “mutilados e traumatizados necessitando do amparo estatal.
A sede foi construída na frente da Prefeitura Municipal de Curitiba (hoje patrimônio do Tribunal de Justiça) e nos estados em que foram implantados eram dirigidos pela Primeira-dama, na época a presidente era a d. Nice Braga, esposa do governador Ney Braga. Com o passar dos anos a entidade expandiu o atendimento para também assistir as pessoas mais necessitadas: com a Procuradoria Jurídica promovendo demandas; um setor de atendimento geral que instruía processos de habilitações de casamento, providenciava 2a. via de certidões de casamento, óbito e nascimento; um Corpo médico e assistentes sociais sem nenhum custo para os usuários.
Eu me preparava para o vestibular de direito e trabalhava na Procuradoria como datilógrafo de dois conceituados advogados: o dr. Clotário Portugal Filho (chefe do setor) e o dr. Gabriel Mader Gonçalves, ambos de saudosa memória. Na época eu era escoteiro do Grupo “Jorge Frassatti” da Igreja do Bom Jesus e falava tanto nos acampamentos que o dr. Gabriel resolveu pôr um seu filho menor no escotismo, no mesmo grupo que eu pertencia. Tempo depois foi anunciado um grande acampamento para reunir escoteiros da América em Assunção, no Paraguai. E a “Frassatti” resolveu participar tendo os irmãos Kubrusly (donos da “Igasa” (revendedora de peças de automóveis), que tinha um filho escoteiro (hoje médico), fretado dois ônibus para a viagem.
Como o dr. Mader Gonçalves tinha também uma filha (Marília) que não poderia participar porque no escotismo só tinham rapazes, ele resolveu viajar para Assunção com a família na mesma época do acampamento. Como o evento era de dez dias ele alugou dois quartos em uma casa de família que oferecia estadia para turistas. O general Alfredo Strossener era o ditador daquele país vizinho e sofria com os constantes ataques de guerrilheiros Tupamaros que lutavam para derrubar seu governo.
Enquanto nós os escoteiros estávamos nos instalando no acampamento que reuniu mais de dois mil escotistas o dr. Munhoz Mader, mulher e filha ocuparam seus quartos na residência alugada. E tudo transcorria as mil maravilhas até na quarta noite da estadia quando a casa que alojava o dr. Mader Gonçalves foi invadida pela polícia secreta do ditador e todos os seus ocupantes foram presos.
O local estava sendo vigiado há algum tempo porque era reduto dos Tupamaros e naquela noite a polícia resolveu dar um basta. Só depois de muitas explicações do porquê da presença da família Mader Gonçalves estar no local foi que ocorreu suas solturas. Inclusive da filha menor de idade. Claro que tudo foi facilitado pela pronta interferência das autoridades que na época também participavam do Movimento Escoteiro.
Logo depois de sua soltura o dr. Mader Gonçalves voltou para Curitiba e nem chegou a assistir o final do acampamento. Eis uma história incomum mas verdadeira que narro nesta crônica para fugir um pouco do lugar comum. Anos depois quando eu casei o dr. Gabriel Mader Gonçalves e esposa foram meus padrinhos no ato civil, celebrado pelo então Juiz Mattos Guedes …
“Sinceramente não sei como armazenei tantas lembranças de fatos acontecidos no cotidiano e que ainda lembro de detalhes. Acho que gravei fotograficamente na memória não apenas os fatos mas os nomes e imagens de pessoas que fizeram e fazem parte de minha vida. São meus amigos inesquecíveis.”
Edson Vidal Pinto
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