Ufa, Que Calor!
Gente o horário de verão chegou e o calor que andava sumido, com certeza se escondendo atrás da Serra do Mar ou lá pelos lados da Serra do Purumã, deu as caras. Antes disto, de noite, caia a temperatura, lembrando os tempos de uma Curitiba birrenta que brincava com as estações do ano e fazia do tempo sua diversão predileta.
Aliás, uma mistura de alquimia inimitável, pois era exímia em fazer que o clima mostrasse todas as suas estações do ano em um mesmo dia. Só Curitibano aguentava. Mas ontem à tarde na condição de motorista e acompanhante de minha mulher, parado dentro do carro enquanto ela fazia compras aqui, ali e acolá, sem poder me movimentar por causa de meus quadris, parecia que eu estava no Saara.
É verdade. Tive que ficar com o motor do carro e o ar condicionado ligado. Eu me senti um verdadeiro Tuaregue. É engraçado, o verão ainda nem começou e bastou um dia quente para me dar vontade de pedir a volta do inverno. Besta, pensei com meus botões, homem insatisfeito.
É sempre assim: quando chove queremos sol; quando o sol está a pino queremos chuva; no frio sonhamos com o calor; e com o calor como de ontem torcemos por um pouco de frio. Este é o ser humano: nunca está satisfeito. Lembrei-me do meu amigo “seu” Julinho, vizinho da casa onde eu morava na cidade de Umuarama.
Ele era um fazendeiro rico, com três grandes fazendas de gado, uma nos arredores da cidade e outras duas no Estado do Mato Grosso. Como bom mineiro pouco falava do que tinha, sua residência era simples e confortável, com vários carros e camionetas em sua enorme garagem.
Era dele e dos filhos adultos que trabalhavam sem parar. Fui num final de tarde muito quente como ontem, Umuarama nesta época tem temperatura sempre elevada com mais de quarenta graus de temperatura, cujo calor “brota” do asfalto ou das ruas de areia e pó, que ele resolveu me visitar.
Nossos encontros eram normais, por isso não estranhei. Só que naquele final de dia ele estava diferente:
- Vizinho, vim conversar para desabafar um pouco.
- Pois não “seu” Julinho, aconteceu alguma coisa?
- Perdi um amigo de cinquenta anos...
- Ele morreu? - indaguei.
- Não, não, ele brigou comigo depois de cinquenta anos de amizade, dono de uma fazenda ao lado da minha.
- Como? Por quê?
- Ele teve problemas nos negócios, gastou muito com a doença da sua mulher e precisou vender a sua propriedade rural.
- E daí?
- Ele me ofereceu, disse-me que ficaria feliz se eu comprasse a sua fazenda.
- E o Senhor?
- No início recusei, mas ele fez questão de vender e se eu não quisesse ele venderia para outra pessoa...
Vi que “seu “Julinho estava com os olhos vermelhos e úmidos, o deixei prosseguir”“.
- E depois de muita insistência perguntei o preço. Doutor, o preço era “salgado”, mas como a propriedade era contígua e aumentaria em muito a área de minha fazenda, acabei fazendo negócio. E pesaroso, por ele, pedi que ele ficasse residindo na casa da fazenda por mais algum tempo, para se mudar com a família sem atropelos. Ele aceitou. Agradecido me abraçou e chorou no meu ombro.
Fiquei imaginando a cena:
- Só que neste período de tempo em que ele permaneceu na ex-propriedade, aconteceu o inesperado: o alqueire de terra foi valorizado e meu vizinho achou que tinha feito uma péssima venda. Pediu mais dinheiro pela venda.
- E o Senhor?”
- Não aceitei: eu tinha pago valor superior ao que a fazenda valia e não achava correto o que ele me pedia.
- Eu não daria mais nada.
- Pois é, foi o que fiz, só que ele ficou revoltado, me ofendeu e acabamos discutindo. Perdi um velho e querido amigo!
“Seu” Julinho, com lágrimas nos olhos, continuou falando:
- Paguei o preço combinado, um pouco acima do valor de marcado, mas o valor correto!
Depois do desabafo ficamos quietos por alguns minutos. Em seguida, na sua serenidade de homem maduro e realizado, disse algumas palavras que vale como reflexão:
- Sabe, Doutor, quando eu aceitei a oferta para comprar a fazenda, meu vizinho só faltou beijar os meus pés; e depois, quando recusei pagar a mais do que o combinado ele me odiou. Em outras palavras: eu no início fui uma réstia de sol que entrou no soalho da casa de meu amigo; depois eu me transformei em uma tempestade que jogou lama e desespero para a sua família ...
E só deixei minhas elucubrações de lado quando minha mulher abriu a porta do carro e entrou.
- Nossa, que temperatura ótima está aqui dentro! Lá fora está um calor daqueles...
- Liguei o ar condicionado para você.
- Obrigada.
Assim, ganhei alguns pontos a mais com minha esposa, bem nas vésperas de completarmos quarenta e oito anos de casados. Ela ficou feliz e eu até esqueci-me do calor lá de fora...
“Canícula daquelas, de suar até de baixo da língua. A temperatura europeia da Curitiba, que brinca com as quatros estações do ano, está entrando de férias. Haja sorvetes e ar condicionado ligado. A “nossa” Copel agradece!”
Edson Vidal Pinto