Um Cavalo no Sofá.
Dia ocioso e próprio para escrever futilidades. Tenho um compadre maravilhoso, uma comadre idem, afilhados fora de série, eles constituem uma família que dá gosto de conviver pelo trato, educação e carinho. Eles residem num apartamento muito bem decorado, de fino gosto e aconchegante. Só não visito com mais frequência como gostaria porque eles têm um cachorro que não vai com minha cara, nem eu com a dele.
Acho que fomos inimigos mortais em outra encarnação. Ou ele foi meu dono e me judiou muito; ou ele foi o cachorro que me mordeu e eu lhe dei umas boas chineladas. Só pode ser. A criatura tem uma cara achatada, é de porte médio, balofo como lutador de sumô, não late, tem um rabo pitoco e me encara sem desviar os olhos.
Ele é tão implicante que antes de eu sentar na poltrona ele sem cerimônias se aloja bem ao meu lado, me olhando como se eu fosse um Gilmar da vida. Eu falo sem gesticular e quando dou risada torço pelo brutamontes não achar que eu estou rindo dele. E quando não olho em sua direção, ele levanta todo o seu corpanzil, sai do sofá e deita em cima dos meus pés. Como diria a Hebe: “Ele é uma gracinha!”.
Tenho vontade de jogar ele pela janela do apartamento e só não tenta porque ele é mais pesado do que eu -, mesmo porque não me atrevo, porque minha afilhada (dona do “Lulu”) não merece. No final da visita chego a casa e tomo um copo de água com açúcar. E olha que eu gosto de animais (gato não muito), tanto é verdade que temos a Ivy, uma tartaruga, que minhas netas deixaram aqui para viajar e não vieram mais buscar.
Minha implicância com o brucutu desalmado e irracional é tenta que estou ficando traumatizado. Quando durmo à noite sonho com ele, é quando me vingo para valer. Não sei o que eu faço, só sei que ele corre latindo e sem olhar para trás. São cavacos da vida. Só de escrever sobre o cachorro me lembrei do Janot, o ex-procurador-geral da República, que declarou na mídia que pensou seriamente em comparecer armado em uma sessão do STF e lá pelas tantas, sacar de um revolver e atirar no Gilmar para, em seguida, cometer suicídio.
Putz imagine o seu estado de espírito para pensar em tamanha estultice. Pensei com meus botões: o Gilmar deveria ser para o Procurador o que o “totó” da casa do meu compadre é para mim.
- Quase isto! - falou a voz de minha consciência. - Ele era um cavalo sentado na poltrona...
Xi, não tinha pensado nisto. Para um homem aparentemente ponderado como o Janot querer praticar um desatino que ele próprio comentou, só mesmo um cavalo para tirá-lo do sério.
Em seguida voltei a minha própria realidade. E pensei.
Trim, trim, trim. depois de tocar a campainha à porta abriu:
- Oh, compadre. Seja bem-vindo, entre!
Entrei de mansinho procurando o cachorro por todos os lados e fui surpreendido com a presença de um cavalo. Meu compadre trocou o cachorro que eu não gostava por um cavalo, Manga Larga, de porte super avantajado. A sua cabeça era enorme e os olhos tinham as tamanhas quatro vezes maiores do que um meu.
E quando sentei no sofá senti que pousei em cima da barriga do equino. Fiquei sem graça, mas permaneci sentado, rezando para que o animal não levantasse e fosse deitar sobre os meus pés. Seriam fraturas com certeza. E quando a conversa fluía o cavalo relinchava.
Não sei se ele estava me provocando e rindo da minha cara, ou se ele apenas queria participar da conversa. Quando voltei para casa, pensei seriamente em pegar meu revólver e voltar na casah do meu compadre para matar dito cujo animal. Só não ousei porque pensei no Janot e conclui que conviver com um cavalo é mil vezes pior do que ser encarado por um cachorro.
Desde então tenho ido à casa do meu compadre sem nenhuma objeção ou trauma. Até já estou acariciando a cabeça do simpático cachorrinho...
“Imaginar tirar a vida de alguém dá para avaliar como a vítima em potencial é intragável. Em uma roda é o estraga prazer; conversando um chato; contando piada um repetitivo; julgando é o único dono da verdade; e rezando o único que se acha infalível e santo. O Tal do Gilmar é a verdadeira mala sem alça!”
Edson Vidal Pinto