Um farol a menos
No caminho da existência todos nós temos algumas personagens que nos servem de exemplo, inspiração e respeito; são pessoas que elegemos para nos moldarmos a elas por serem dignas do nosso melhor apreço e carinho. Graças a Deus tive e tenho muitas destas pessoas que caminham na minha frente como um farol de luz a iluminar por onde piso. Talvez nesta fase de vida eu próprio esteja iluminando o caminho para muitos que estão vindo atrás de mim. Pelo menos, assim espero. Dentre tantos faróis um deles ontem se apagou, cumpriu sua missão terrena e chamado pelos Criador dos Mundos, foi habitar em alguma das estrelas do firmamento celeste. Eu o conheci em circunstância inusitada e desde então nos tornamos grandes amigos, compartilhando juntos de momentos de alegria nos nossos reencontros, tendo sido eleito um faroleiro a mais para nortear os meus passos. Como nos conhecemos? Em 1.973 eu fui Promotor de Justiça da Comarca de Faxinal, uma pequena cidade do interior do estado, onde não tinha asfalto,a luz elétrica era precária e havia muito crime de homicídio na região. Era Prefeito Municipal o Sr. Ismael Pinto Siqueira, um homem de temperamento forte mas um bom administrador, filiado ao partido da Arena, então um braço político do Governo Militar. Nas vésperas da campanha política o Juiz de Direito da Comarca, o saudoso dr. Mário Ráu, depois de ter sido ameaçado de morte por um pistoleiro contratado por uma das partes que perdera uma ação possessória, foi removido compulsoriamente para a Comarca de Cambé. E em seu lugar veio outro Juiz de Direito removido da Comarca de Pitanga. Este por ser novato no lugar e por não conhecer bem os jurisdicionados, presidiu uma audiência de inquirição de duas testemunhas via carta precatória, arroladas pela defesa de réu por fato ocorrido em Apucarana (acidente de trânsito com mortes e feridos). Porém nenhuma das duas testemunhas compareceu ao ato judicial. Em decisãoproferida no gabinete o Juiz decretou a prisão e condução coercitiva das testemunhas faltosas para serem inquiridas em Juízo. Só que ditas testemunhas eram o Prefeito e o Vice-Prefeito de Faxinal, que postulavam a reeleição. Na campanha concorria, também, um candidato do MDB que era apoiado por um deputado estadual do mesmo partido, com domicílio na cidade. Na Assembléia Legislativa, no entanto, o representante político da região era o deputado Fabiano Braga Cortes, apoiado pelos Prefeitos de Faxinal e Grandes Rios, ambos municípios da Comarca de Faxinal. Com o decreto judicial das prisões do Prefeito e do Vice, o deputado oposicionista para tumultuar as eleições, distorceu o motivo das prisões informando à imprensa que elas decorreram de crimes contra a Administração Pública Municipal (peculato) praticado pelos seus adversários políticos. Ora, com os ânimos políticos exaltados a repercussão da notícia veiculada no horário nobre pela TV Tibagi de Apucarana (então Rede Globo), foi um verdadeiro estopim de pólvora. Dezenas de caminhões vindo das mais diversas localidades do interior do município chegaram na casa do Prefeito Ismael, descarregando um legião de seus eleitores. Todos revoltados e dispostos a tudo para impedir as prisões referidas. O Prefeito, armado, dava tiros para o ar e prometia matar o novo Juiz. O deputado Fabiano estava fazendo apoiando a camoanha de seu correligionário e por coincidência estava presente na casa do Sr. Ismael, quando, então, preocupado com o entrevero foi me procurar em minha casa.
Eu tinha escutado das prisões pela TV e logo em seguida recebi um telefonema do des. Alhos Morais de Castro Velozzo, então Corregedor-Geral da Justiça, me pedindo informações sobre as prisões e a fase em que se encontrava a ação penal de peculato contra as autoridades locais. Eu respondi que não tinha processo criminal algum, mas que iria me informar do porquê das prisões e retornaria o telefonema. Foi quando ouvi que alguém estava batendo palmas no portão da minha casa : era o Fabiano. Este logo se identificou e falou:
-Promotor, por favor me acompanhe até a casa do Ismael, porquê ele vai matar o Juiz!
E foi assim que nos conhecemos. O episódio foi superado porque aconselhei o Prefeito e o Vice a permanecerem em casa enquanto eu fui na casa do Juiz, que assustado, disse que iria revogar as prisões; mas eu ponderei que esperasse o advogado requerer ditas revogações, para ele não perder a autoridade perante o povo da cidade. Depois então sugeri ao advogado dr. Clovis Roberto de Paula que requeresse a revogação das prisões, o que foi feito e o incidente então foi superado. No final o Prefeito e o Vice foram todos reeleitos. Depois disto encontrei o Fabiano como Chefe da Casa Civil quando foi governador o saudoso Ney Braga. O assunto tratado foi a defesa das prerrogativas do MP estadual. E porque minha mãe, avós maternos e tios terem nascidos na Lapa, onde também fui Promotor de Justiça, ele quando me via gritava:
-Lá vem um lapeano dos bons!
E me dava um abraço apertado. Quando fui Secretário de Estado da Justiça e ele era um dos diretores da Itaipu, numa viagem que fiz até Foz do Iguaçú (de carro oficial) na volta para Curitiba ele soube que eu estava na cidade e me pediu carona. Viemos juntos e ele no trajeto pediu ao motorista que parasse numa loja de beira de estrada e comprou uma faca, a qual me deu de presente com o meu nome gravado na lâmina. Encontrei outras vezes o Fabiano na casa do dom Moacir Vitti, nosso amigo comum, onde jogamos muita conversa fora. É claro que estou triste pelo seu falecimento, pois como dito anteriormente, foi mais um farol que se apagou. Ficaram os momentos, lembranças e recordações de um bom homem, exemplar chefe de família e um servidor público como poucos…
“Nada nesta vida vale mais do que um amizade fraterna, nascida pelo acaso e imorredoura. Meu amigo Fabiano com certeza está vivo nos corações de pessoas que tiveram o especial privilégio de desfrutar de sua amizade.”