Um Ronco Diferente
Para todos os efeitos legais, como aposentado, permito-me estar ainda em gozo de férias, pois a rigor o ano novo ainda não começou para os brasileiros que dão duro para ganhar o pão de cada dia. Eu já dei o que poderia dar, trabalhei quase sessenta anos no Ofício Público, cumprindo todos os deveres e obrigações nos vários cargos que exerci. E por quê estender minhas ociosas férias? Ora, ora, é sabido que o ano só começará depois do carnaval, ou seja , 10 de março, portanto até lá o ritmo da flauta dará o compasso certo para o povo se esquivar do trabalho mais penoso. É o período que vale empurrar tudo com a barriga e deixar para depois resolver os problemas. Enquanto isto todo final de semana será pretexto para descer ao litoral, curtir o ar das montanhas, e realizar passeios com a família. Mas depois que o Rei Momo deixar a coroa no cabide, daí, sim, saiam da frente porque a luta tenaz para sobreviver será briga de foice, a calma ficará de lado, os engarrafamentos de veículos será ponto de reunião e estresse, as dívidas serão lembradas, o custo de vida encherá cabeças, o dinheiro começará a sumir do bolso, a pressão alta terá lugar, mas o carro para estacionar não terá vaga na beira da calçada, só em estacionamento particular que cobrará até lá a hora em dólar norte-americano. Será um agito constante, ninguém mais terá sossego, o país entrará em ebulição com o Luiz Ignácio culpando o Trump por todos os males, o Milei tirando a Argentina do buraco, e o Xandão prendendo mais do que chá de folha de goiaba. Mas como o carnaval ainda está longe, resolvi tirar o meu Fiat 147, canarinho, da garagem e dar um passeio despreocupado pela city, sem esquecer de passar ao redor da praça Espanha, para uns tontos tirarem fotos do meu carro para colocarem nas paredes de seus quartos. Uma gente estranha, de uma tribo não nipônica, que é fissurada em máquina fotográfica. É uma nova geração fruto da era tecnológica. Antes de entrar no meu carrinho que é cobiçado até pelo Neymar, mas que eu não vendo nem se ele quiser trocar pelo seu apartamento de Camboriú, porque meu requintado veículo é único em luxo, designe, brilho e acessórios feitos especialmente para dar aquele tcham inconfundível. Depois de limpar a baba que escorria do meu queixo, sintoma próprio de quem admirava aquela obra prima, entrei no carro, liguei a chave e :
-Putz, que ronco é este, meu Deus!
Não, não era um ronco do meu Fiat 147, nem aqueles sons horríveis de uma Lamborghini, Ferrari, Maserati ou Porsche, não, o som do meu carro parecia de um simples e reles Jaguar. Fiquei atônito. O quê aconteceu com o som mavioso do meu Fiat 147 ? Nunca tive problema de pressão alta, mas desta vez alcançei o pódio, tive fibrilação cardíaca, minha boca secou e quase tive um treco. Pisei no acelerador, olhei o belíssimo painel na minha frente, e nem o velocímetro digital dava luz, pensei: “o famoso motor italiano morreu!” Só então me dei conta que o som do Jaguar dava para ouvir nitidamente. Aflito agucei meus ouvidos, só então pude perceber que o som provinha do carro Jaguar, do meu vizinho, que manobrava seu veículo para também sair da garagem. E quando ele partiu o local ficou em silêncio. Dei novamente a partida do meu Fiat 147, o painel digital acendeu tal qual a Torre Eiffel a noite, acelerei um tostãozinho só e ouvi a nona maravilha do mundo antigo: o ronco do meu possante carro! Só então me dei conta que quando liguei meu carro pela primeira vez, ele não funcionou, porque fazia tempo que ele estava estacionado na garagem, e naquele momento os cavalos que atropelam o motor do carrão, ainda estavam bebendo água. Felizmente, tudo não passou de um grande susto. O ronco do meu Fiat 147, estava como sempre esteve, vivinho e pronto para fazer àqueles motoristas que não tem ou nunca tiveram, um carro que é joia rara da indústria automobilística do mundo…
“Putz, se susto matasse, eu teria morrido. Sei que é um privilégio divino ter um Fiat 147, amarelinho, placas pretas,tão novo como se ainda estivesse para sair da fábrica. Mas é um ônus próprio de seu proprietário, que só não pode esquecer de colocar um galhinho de arruda, atrás da orelha direita, para afastar a inveja dos colecionadores e o mau olhado dos donos de carrinhos sem pedigree.”