Rua Santa Catarina.
Tem dias que minha imaginação parece que está em ebulição porque entro e saio de momentos que vivi; de repente aparecem imagens de pessoas que ficaram gravadas na minha infância sem que nunca mais tivesse sabido delas, há não ser quando escrevo traído pela nostalgia. É o tema de hoje. Você sabe onde fica a rua Santa Catarina ? É uma rua transversal à Avenida República Argentina, no bairro Água Verde, sendo que na casa No. 19, moravam meus tios Emílio Merlin e Juvelina Stinglin Merlin. A residência ficava há uma quadra da Avenida República Argentina, onde passava o bonde e a lotação que ia do centro até o bairro do Portão, sendo que na esquina tinha o mercadinho do “seo” Ceschin e a rua Santa Catarina começava neste ponto e seguia em direção ao bairro de Vila Guaíra, até o campo de futebol “Orestes Tha”, pertencente ao time do Água Verde ( Avenida Kennedy). Nos idos de 50 do século passado, a área era residencial, com algumas madeireiras espalhadas na região, a rua era de macadame e nas primeiras quadras moravam integrantes da família Merlin cujos ancestrais vieram da Itália e se estabeleceram no bairro. Meu tio Emílio e seu irmão Ermelino tinham uma madeireira localizada na Avenida República Argentina, cujo nome “Serraria Merlin & Merlin”, era uma empresa de porte e comercialmente muito conhecida. Também existiam áreas desabitadas , formadas por campos, com muitos pinheiros, córregos e mato. Na esquina debaixo, da residência do meu tio Emílio, morava meu tio Oscar Stinglin,irmão de minha tia Juvelina e de minha mãe, com minha tia Lourdes Rosa Stinglin e meus primos Marlene e Olégario. O curioso é que o meu tio Emilio jogou no time principal do Coritiba e o tio Oscar no Athletico Paranaense. Pois, bem. De guando em quando eu dormia na casa de meu tio Emílio e junto com o meu primo Elcio (dois anos mais velho do que eu) e alguns piás da vizinhança, íamos brincar no vagonete da serraria, de mocinho e bandido. Nas festas juninas a expectativa era correr atrás dos balões que caiam no bairro. Também brincávamos de jogar “Rei” em uma mesa quadrada, cercada por todos os lados, caçapa em cada canto, com pedras redondas de madeira das cores pretas e outras brancas, de diâmetro um pouco maior que uma moeda, que eram “atiradas” por uma pedra redonda chamada “atiradeira”, que era côncava na superfície para permitir que o dedo médio da mão pudesse ser impulsionado em direção às pedras brancas ou pretas (dependendo qual delas era amigo ou inimigo) para arremessá-las em uma das Caçapas. Cada jogador continuava jogando enquanto acertasse a pedra certa na caçapa. Quando errava, era a vez do adversário jogar. Este jogo de procedência italiana era feito pelo meu tio na sua empresa.
A hora mais chata e que acabava com qualquer brincadeira era por volta do meio da tarde, quando minha tia Juvelina mandava eu e o primo Elcio comprar pão na mercearia do “seu” Jango. Não, não era longe, mas parar de brincar para comprar pão era pura perda de tempo. Mas lá íamos nós, descíamos apenas uma quadra, dobrávamos a direita e há poucos passos estávamos na mercearia. O “seu” Jango conhecia a vizinhança toda e vendia fiado, anotando numa caderneta as compras realizadas pelos fregueses que eram pagas no final de cada mês. Tinha de tudo um pouco, pirulito, bala Zequinha, suspiro, pé de moleque, pães, farinha, bolachas, arroz, feijão, batata, etc, etc e etc. Cresci, meus tios e primos faleceram e nunca mais vi o “seu” Jango, só hoje lembrei dele como uma sombra boa do passado. E assim, como dizia o Bernardo, meu saudoso pai : “E por estas noites escuras, as gerações passam do berço à sepultura…”
“Em cada pingo de nostalgia é possível escrever sobre os momentos que guardamos na memória. As pessoas são como as pedras : rolam, rolam e um dia se encontram. E quando o reencontro não acontece ficam no pensamento para um dia serem lembradas.”