Um senhor professor
A comunidade acadêmica da ciência do Direito perdeu há pouco tempo a inesquecível processualista civil Dra. Ada Pellegrino Grinover, figura ímpar do magistério e renomada jurista brasileira. E ontem faleceu o ilustre mestre, processualista penal, doutrinador e autor de inúmeras e consagradas obras, Prof. Damásio Evangelista de Jesus. Ambos do Corpo Docente da USP. Eu tive o privilégio de ter conhecido e compartilhado de encontros dos quais fui convidado, com os dois saudosos mestres, das discussões preliminares do Esboço do Código de Defesa do Consumidor.
Éramos na época três neófitos iniciantes Promotores de Justiça da Defesa do Consumidor, os únicos até então em todo o país, que procurávamos nas leis esparsas que eram mais de quinhentas pinçar tênues referências que pudessem alicerçar nossas tarefas profissionais. O precursor foi o Dr. Carlos Philomeno, do MP de São Paulo; depois o Dr. Hélio Zeguetto Gama do Rio de Janeiro; e eu do MP do Paraná -, e sempre nos comunicávamos por telefone e várias vezes nos reunimos para discutir e como proceder para defender o consumidor. E sabedor destes encontros o Prof. Damásio, então Promotor do MP de São Paulo, e que junto com a dra. Ada foram escolhidos para elaborar o esboço do novo Código de Defesa do Consumidor, nos abrigou como participantes de algumas de suas reuniões de trabalho.
E foi uma convivência inesquecível pela requintada cultura e conhecimento que sorvíamos desses dois notáveis juristas. Nossas contribuições foram pífias, embora não nos omitíssemos de dar um ou outro palpite que sem esperar geraram boas discussões. A parte processual do Código foi elaborada pela Dra. Ada e todo conteúdo penal pelo Dr. Damásio. Lamentei imensamente por ter deixado o grupo quando me afastei temporariamente do MP, para então ocupar o cargo de diretor-geral da Secretaria de Segurança Pública, quando era seu titular o Procurador de Justiça Antônio Lopes de Noronha, na gestão do governador Álvaro Dias. E cinco anos depois (1.990) foi publicado o Código de Defesa do Consumidor que só passou a vigorar em todo o território nacional, no início do ano seguinte.
Eu nunca mais tive contato com meus dois colegas e nem com os dois nominados professores. Mas um episódio acontecido no salão nobre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, SP quando ainda engatinhava o projeto do futuro código, eu guardo como o melhor exemplo de dignidade humana. O salão estava lotado por acadêmicos, estudiosos e profissionais do direito, todos sequiosos em ouvir a palestra do Dr. Damásio, discorrendo sobre seus estudos elaborados do futuro código consumerista. Enquanto o mestre falava reinava na plateia silêncio respeitoso.
Mas foi no detalhamento de um certo tipo penal, que o professor destacara, que um aluno da faculdade levantou o braço e interrompeu a aula. Daí este mesmo aluno fez uma indagação sobre o trabalho abordado, trazendo ponto de vista que contrariava a abordagem até então feita pelo Prof. Damásio. A plateia permaneceu silente esperando que o mestre desmontasse os argumentos do impetuoso aluno. Porém isso não aconteceu. O Prof. Damásio olhou para seu interlocutor, colocou uma das mãos sob o queixo e disse:
- Não sei responder sua pergunta. Pois a hipótese formulada não me ocorreu, logo não sei como lhe responder. Mas prometo que vou refletir para oportunamente lhe dar minha opinião a respeito!
O auditório ficou em pé e aplaudiu por algum tempo a resposta dada pelo mestre.
Porque foi lição de humildade, civilidade e respeito que só os grandes homens de conhecimento podem dar. Se fosse um outro, para não perder a soberba, com certeza sofismaria para não deixar o aluno sem resposta. Não o Prof. Damásio, que por esta e outras deixará saudades eternas àqueles que mesmo por pouco tempo, tiveram a honra de privar de sua estima e amizade. E para mim é mais um farol que apagou...
“A grandeza do ser humano só é medida pela sua humildade e decência no trato com terceiros. Os medíocres sempre tem um resposta na ponta da língua, mesmo que seja para sofismar. A pessoa de conhecimento é incapaz de tentar iludir a opinião alheia”.
Edson Vidal Pinto
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