Um Urso No Meu Sonho
Minha mulher resolveu mudar o piso de madeira dos quartos do apartamento e tivemos que pernoitar uns dias no hotel Slaviero do Batel, pois os móveis ficaram amontoados na sala e o corredor ficou intransitável. Foi quase uma semana fora de casa mesmo estando em Curitiba, como turistas tupiniquins e fazendo um périplo pelos restaurantes, preenchendo o tempo como dois típicos visitantes da city. O hotel foi bem do nosso gosto com conforto e bons tratos , a ponto de que quando entrávamos no hall de entrada parecia que estávamos ali como dois viajantes com dólares no bolso, com mil elogios para a nossa própria cidade. Este um bairrismo típico de Curitibócas. Ontem, na última noite de nossa estadia, chegamos de madrugada no hotel depois de um compromisso familiar, cansados não demoramos para pegar no sono. Eu logo que fechei os olhos comecei a ouvir urros vindo do teto do apartamento, logo pensei: “Quem será que trouxe um urso para dormir no hotel?”
Sim, porque os gritos só poderiam ser de um animal selvagem, grandalhão, disposto a estraçalhar quem aparecesse na frente. Fiquei quieto, minha mulher estava dormindo, de repente o urro parece que entrou em sintonia com uma escala musical, pois aumentava e diminuía, de forma incessante e ritmada. O urso deveria estar solto e com fome. Fiz um esforço para pegar o telefone que estava do meu lado da cama para reclamar com o gerente por ter permitido que um animal selvagem pudesse ser hóspede do hotel, juntamente com o irresponsável de seu dono, mas não consegui linha. Foi quando senti minha mulher sacudir o meu braço:
-Meu bem, acorde, acorde …
Abri os olhos, ela então me disse:
-Credo, acorde, tem um homem roncando tão alto no apartamento de cima, que chegou a me acordar!
Putz, eu achando que era um urso atrapalhando o meu sono. Daí em diante nós dois ficamos acordados ouvindo o ronco, tipo tenor do nível Caruso, que deu vontade de bater no teto com o cabo de uma vassoura para acordar o cidadão ou telefonar para a portaria do hotel. Porém não fizemos nem uma coisa e nem outra, preferimos ficar ouvindo a roncação até o sono nos pegar de vez. Sem dúvida foi uma situação sui generis, todavia, aconteceu mesmo. Ah, o velho
e conhecido ronco - o estranho som que uns e outros produzem quando dormem - que só aceito pelo próprio roncador e sua educada consorte (ou vice versa) e mais ninguém. E ninguém gosta que pessoa estranha fale do próprio ronco, pois dá briga. Cada um é dono do seu ronco e faz ele soar em qualquer lugar: dentro do ônibus, no avião, na sala de espera do médico, no cinema, no recital e até no hotel! E pensar que tem médico do sono para curar o ronco, que receita um aparelho de escafandro para o paciente colocar no nariz quando vai deitar para dormir. Deve ser uma tragédia para o usuário e um terror para as crianças, que ao verem um roncador com a máscara deve achar que está frente a frente com o Bicho Papão. Eu, hein? Mas depois dos sessenta anos quem não ronca? E barrigudinho, também. Isto vale para ambos os sexos. Não, não pensem que eu entendo de ronco, não mesmo. É que sou autodidata e como tal me atrevo até discorrer sobre o ronco, embora nunca tenha roncado e só ouvido como é, quando me hospedei num hotel…
“Homem depois dos sessenta anos que não tem barriga não tem história; e se não roncar é porquê nunca dormiu. O ronco é uma especie de grunhido de felicidade que se manifesta quando o homem dorme. A consorte aguenta e só reclama (as vezes) porque sabe que o marido é feliz. Não é verdade, Terta?!”