Vida de Cachorro Chic
Foi-se o tempo que cachorro era só cachorro e nada mais do que cachorro.
Entrar dentro de casa nem imaginar, quando muito ficava deitado na porta de entrada da cozinha e não sabia o que era passear com o dono pela vizinhança. Mesmo ficando no quintal da casa tinham alguns que ficavam presos com corrente amarrada na coleira e a outra ponta na “casinha” onde o cão dormia. No mês de agosto de cada ano, que era considerado o mês do “cachorro louco”, os animais eram vacinados quando seus donos eram responsáveis, mas ninguém sabia ao certo quando mordido se o cachorro tinha ou não sido protegido da raiva.
Quando a pessoa era mordida a ordem médica para proteger o paciente eram doze injeções na barriga. Uma por dia. Quem tomou disse que doía muito, mas valia a pena porque a doença canina da raiva era letal, um tipo de morte horrível. Eram poucos os cachorros “paparicados” e qualquer “arte” que praticavam eram severamente punidos inclusive fisicamente. E a comida então? Eram sobras de alimentos dos mais variados cardápios e muitos ossos, ossos de verdade, de todos os tamanhos. E quando um cão ganhava um osso ele o defendia com unhas e dentes.
E ai se não comesse, porque ficaria com fome. Latir podia porque o cão “morava” fora de casa, só não podia uivar. A família tinha medo de que ele estivesse chamado o lobisomem. Crendice de uma época. E hoje? Gente do céu, que diferença. O cachorro é considerado um verdadeiro lorde, membro integrante da família dos donos, não pode faltar em solenidade oficiais e reunião com os amigos mais próximos, sempre esparramado entre os sofás, tapetes e lambendo as mãos das visitas com total intimidade.
O visitante para caminhar no apartamento do anfitrião tem que desviar do cachorro com medo de pisar nele e transformar a reunião em um “barraco”. Além do mais nenhum dono admite por nada desse mundo que você procure afastar o cachorrinho do seu lado, pois este gesto é uma ofensa irreparável. O jeito é a visita que não gostar de animal evitar o maior tempo possível de ficar do lado de um, conversando com olhar fixo no interlocutor sem olhar para baixo. Porque se o “Lulu” enxergar que você está olhando para ele em poucos segundos estará esfregando em sua mão uma bola toda babada que ele tem na boca como convite para você arremessar a mesma para outro lado da sala para ele correr e pegar.
Uma brincadeira chata e anti-higiênica. Só os donos não se dão conta. Ainda mais em época de pleno Covid. E a comida? Tudo em saquinhos em forma de ração. Com um pedaço pequenininho de um osso de passarinho é suficiente para o cão se engasgar e morrer. Hoje ele tem cabeleireira, veterinário particular, calendário de vacina, protético e aulas de hidroginástica e línguas caninas para se comunicar com aqueles outros de raças inferiores.
Vive dentro de casa ou do apartamento e dorme com os donos, no meio destes, embaixo da cama ou na sala de televisão. É ensinado a não latir e fazer as necessidades fisiológicas num mesmo lugar ou quando sai com o dono para passear na rua. Quase sempre faz cocô na frente da casa dos vizinhos.
E vive harmonicamente com gatos e ratos contrariando o instinto selvagem de seus antepassados parecendo para os mais tradicionais que ficou excessivamente boiola.
Mas tudo bem pois o cachorro do qual estou falando não é meu, aliás não tenho nenhum porquê moro em apartamento. E nada contra aqueles que tem cachorro em apartamento pois cada um tem o direito de dividir seu espaço com quem quiser. E tem ainda cachorro que frequenta shopping, viaja de avião e se hospeda em hotel de cinco estrelas com direito à alimentação balanceada. É um desbunde.
Sinal de um novo século que ainda engatinha, mas que promete muitas novidades e inovações. E os gatos estão no mesmo patamar social. Só gostaria de estar vivo para ver como daqui uns quarenta anos as girafas serão tratadas, pois com certeza chegará a vez delas, pois nem imagino como cada uma dormirá no meio de seus donos e numa só cama ...
“Ainda ninguém provou que cachorro “pega” o vírus do Covid-19. É por isso que seus donos ficam agarradinhos com os mesmos, dormindo na mesma cama e sem nenhuma restrição. Vida de cão de família rica é uma glória para o animal que nasceu com o rabo para a lua!”
Edson Vidal Pinto
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