Violência Doméstica na pandemia
Aspectos psíquicos sobre a violência doméstica na pandemia: visão psicanalítica
As mídias sociais estão mostrando que a violência doméstica contra as mulheres neste tempo de pandemia vem aumentando, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aponta um aumento de 50%, índice assustador.
Os aspectos sociais da sociedade atual são machistas, patriarcal e tem uma tendência de culpabilizar a mulher pelo desarranjo familiar, há uma estigmatização de que a mulher é o sexo frágil e o homem é o detentor do poder, inclusive podendo escravizar a mulher. Este modelo social confere ao homem poder social, econômico, político, e a mulher é caracterizada como frágil e submissa. De certa forma o homem é autorizado socialmente a subjugar a mulher ao seu mando. Isto faz com que a violência contra a mulher aconteça com mais frequência no âmbito familiar executada pelo parceiro. A própria constituição do psiquismo social desta mulher está moldado para se submeter ao julgo do parceiro, causa violência emocional, social, sexual, física, chegando até ao feminicídio.
O ser humano pela sua própria constituição possui uma necessidade de se unir ao outro na busca de vínculos duradouros e amorosos, por que então as relações acabem se tornando violentas? Para responder a está questão se lançara mão da teoria psicanalítica.
A psicanálise, criada por Sigmund Freud tem uma maneira muito particular de colocar a constituição dos afetos, e de como eles foram constituídos e como podem causar sofrimento. Além disso, foi desenvolvida uma teoria, um método e uma técnica para que o sujeito possa se conhecer e se livrar de conflitos e sofrimentos relacionados a própria constituição psíquica.
Os psicanalistas colocam que a longa dependência da criança com o adulto faz com que se constitui um protótipo infantil ao enamoramento, que se reeditará ao longo da vida, ou seja, existe uma predisposição que nos leva a escolhas amorosas. As ligações humanas se instalam a partir de dois psiquismos, estes que foram constituições anteriormente pelas relações parentais na primeira infância ( 0 a 9 anos). O que a psicanálise coloca é que estas vivencias infantis irão determinar nossas escolhas futuras.
A criança experimenta sentimentos de desprazer e de prazer deste o nascimento, o que é prazeroso é vivido de modo sublime e incorpora o movimento da vida, o que é demasiadamente insatisfatório, insuportável para criança, se tornará uma experiência traumática, surge aí um sentimento de negação, de ruptura daquela vivencia, que é denominada como recalque. A função é eliminar o afeto que maltratou a criança, e a forma de se fazer isso é dividindo a ideia do objeto que a maltratou do afeto, ficando a ideia como uma representação, um fragmento, no inconsciente e o afeto é deslocado para a consciência. Isto faz com que os afetos fiquem disponibilizados para se ligar a um outro objeto do cotidiano, mas carregado pela emoção infantil, causando o sofrimento.
Esta forma de constituição psíquica se dá para as mulheres, homens, para o agredido e para o agressor. A questão específica deste artigo é entender o que leva a mulher ficar no lugar de abusada, violentada, espancada e o homem no lugar do agressor. O que faz com que estes dois psiquismos se unam em busca de “amor”?
Tudo começa pela constituição psíquica infantil, crianças que vivem sem carinho, desamparadas, que sofreram violências no núcleo familiar tentem a conservar está representação como sendo a única forma de viver, inconscientemente, que é um sistema de uma outra ordem do que o da consciência, pode significar como sendo a única forma de amor que ele conhece, e vai tender a repetir estas relações na vida adulta. Freud coloca que a perda do amor nos primeiros anos de vida causa um dano permanente ao sentimento de sí. Deixa marcas como cicatrizes narcísicas que darão origem a um forte sentimento de inferioridade.
No caso específico de violência contra a mulher, ela buscará inconscientemente um algoz para ela reviver atitudes e ações na sua família original, pois foi a única forma de amor que ela conheceu. Uma história de maus tratos pode ser transferida para a vida atual, deixando o sujeito paralisado pelo seu sintoma que a liga a seu parceiro abusador. Existe um conluio entre os dois psiquismos interligados aos sentimentos infantis de amor e ódio, advindos das relações primitivas com as figuras parentais. Isto causa uma cegueira psíquica que não deixa o sujeito sair do lugar. O que acontece nos primeiros anos de vida, determinará os relacionamentos futuros e as escolhas amorosas.
A vida das mulheres que sofrem violências domésticas implica na impossibilidade de metabolizar psiquicamente o excesso de violência que sofreu na primeira infância, digo que não é somente física, mais de privações emocionais, sociais, culturais. A vulnerabilidade decorrente da violência e do desamparo resulta em um encadeamento de repetições aprisionando-a em relacionamentos destrutivos.
Para que está mulher saía deste lugar é necessária uma transformação psíquica, que se dá pela compreensão de que há uma possibilidade de viver outras formas de amores que não seja destrutivo. É necessário que possa enxergar a si e o outro, é desfazer suas fantasias infantis que a dor seja a única forma de existência, a partir daí poder modificar sua vida através de atitudes. Para isso, muitas vezes, é necessário a ajuda de um profissional que esteja preparado tecnicamente para poder fazer um trabalho clínico.
Está mulher precisa procurar um profissional, seja um psicólogo ou um psicanalista que tenha uma disponibilidade de fazer uma escuta empática, com compreensão, acolhimento e que tenha um manejo técnico capaz de ajudá-la a ressignificar as representações inconscientes infantis, resgatando o seu amor próprio e sua autonomia de vida.