O que a Filosofia tem a dizer sobre o pânico diante o Covid-19?
Faz muito tempo, e podemos até voltar à Segunda Guerra Mundial, que nosso planeta não sofre um abalo como o que enfrentamos atualmente. Especialistas na área médica e Chefes de Estado ainda não sabem o tamanho da crise e muito menos quando vai acabar. Afinal, o inimigo agora não é uma nação ou um terrorista com apetites distorcidos: ele é invisível e ataca a todos sem distinção. Você pode morar em qualquer parte do mundo, pode ter muito ou pouco dinheiro, não importa. Ele te desestabilizará de alguma forma, direta ou indiretamente.
Viver nessa angústia não é fácil e, como consequência dessas incertezas, alguns indivíduos já apresentam sinais de pânico. Na última semana, acompanhamos filas em supermercados, produtos sumindo rapidamente das prateleiras e a falta de insumos básicos para profissionais da saúde. Já é relatada até mesmo a falta de remédios para doenças específicas, como a Malária, porque muitas pessoas estão consumindo esses medicamentos mesmo sem a eficácia comprovada contra o Covid-19 e, consequentemente, prejudicando quem realmente depende dele para viver.
Para ajudar a disseminar ainda mais o pânico, novas ferramentas de comunicação e redes sociais aumentam essa sensação, ora com notícias falsas, ora com informações irrelevantes. Noticiários transmitem 24 horas por dia informações sobre infectados, contabilizam mortes on time e elevam, assim, o sentimento de impotência e ansiedade. Então, como podemos viver nesse ambiente tão complexo em que o controle sobre nossas vidas é perdido?
Vários filósofos já se debruçaram sobre esse tema e o pensamento que mais me agrada é a importância que Epicuro de Samos destina à prudência. Segundo ele, uma das principais referências do meu livro “Ensaio Sobre a Crise da Felicidade”, a prudência é o bem supremo e é dela que se originam as demais virtudes. Por definição, trata-se da virtude de agir de forma ponderada e com cautela, destacando a importância da razão e não da emoção. O que nos ensina Epicuro é que não existe vida feliz sem prudência e, para suportarmos esse período de dor momentânea, precisamos ser fortes e pacientes, afinal, como dizem os mais antigos, não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe.
As reações de pessoas prudentes já são notadas em nosso país. Vejo exemplos por toda parte e destaco o comportamento solidário como o principal deles. Exemplos não faltam, desde médicos que se voluntariam até doações de máquinas para UTIs feitas por empresários e lideranças da sociedade civil. Acabei de ler que as montadoras de carros GM, FORD e Mercedes estão dispostas a usar suas fábricas brasileiras para produção de equipamentos médicos. Isso sim é uma virtude admirável e deve ser replicada por todos aqueles que podem de alguma forma ajudar.
Porém, dentre tantos exemplos virtuosos vindos de várias partes do mundo, existem aqueles que insistem em viver de forma egoísta. Um exemplo surreal aconteceu recentemente: enquanto trabalhadores da iniciativa privada começam a sofrer com reduções de salários e fechamento de vagas, a Câmara Municipal de Cuiabá antecipou pagamento dos salários de vereadores e servidores comissionados! Nos momentos de crise é que vemos a qualidade de líderes que uma nação possui.
Enquanto países se unem para enfrentar esse inimigo comum, nós continuamos alinhados ao atraso e nos comportando de forma pequena. Não é possível que nos tempos atuais políticos, empresas, jornalistas e outros usem a pandemia para efeitos de caráter egoísta. O que faria sentido nessa oportunidade seria a união do país, sem o “nós e eles”, em que revanches seriam deixadas de lado para focar no objetivo maior que é a recuperação e volta da tranquilidade para todos. Somos maiores quando estamos unidos. Parece que a prudência passa longe de alguns brasileiros.
Por fim, manter a calma e pensar de maneira livre procurando desenvolver a virtude da prudência é altamente recomendado em épocas de crises. No fundo, sabemos que mais cedo ou mais tarde o Covid-19 não será tema de tanta preocupação. Como o filósofo árabe Ibn Sina (980 – 1037 d.c.) dizia: “A imaginação é a metade da doença, a tranquilidade é a metade do remédio, e a paciência é o primeiro passo para a cura.”
*Antoine Abed é filósofo e autor da obra “Ensaio Sobre a Crise da Felicidade”.