RJET: Pessoas Jurídicas de Direito Privado
Por Micheli Mayumi Iwasaki, advogada
O capítulo III do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), Lei Federal nº. 14.010 de 10.06.2020, dispõe sobre o tema da assembleia geral em seu único artigo, qual seja, o art. 5º.
O artigo 4º do RJET foi vetado, embora tenha passado incólume desde a apresentação do projeto de lei até o final do seu processo legislativo no Congresso Nacional. Em suma, o dispositivo determinava a observância às recomendações oficiais locais quanto à possibilidade de promover reuniões e assembleias e restringia a hipótese de realização de assembleias eletrônicas tão somente às associações, sociedades e fundações.
Nas razões do veto, consta o fundamento de que a matéria estaria em desacordo com a Medida Provisória nº. 931/2020 e, não sendo possível o veto parcial no tocante somente às sociedades, foi vetado na sua íntegra no intuito de resguardar o “interesse público ao gerar insegurança jurídica”. No entanto, não é o que a hermenêutica indica.
Pela interpretação sistemática do dispositivo remanescente e vigente, o art. 5º, durante o período da pandemia, delimitada temporalmente com início em 20.03.2020 (art. 1º, parágrafo único) e com termo final legal em 30.10.2020, todas as pessoas jurídicas de direito privado podem realizar assembleia geral em formato eletrônico.
Na forma do art. 44 do Código Civil e em observância à tipicidade legal, são pessoas jurídicas de direito privado: associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e empresas individuais de responsabilidade limitada (Eireli). Nem todas as espécies possuem exigências legais de realização de assembleia geral, em outros casos há incompatibilidade material, como o caso da Eireli por se tratar de tipo unipessoal.
A autorização para a realização do ato dispensa a previsão no Estatuto Social ou Contrato Social. Para tanto, delega a atribuição da definição do meio pelo qual se dará a manifestação dos participantes ao administrador, tendo como requisitos mínimos a possibilidade de identificação da pessoa e a segurança do voto, com a presunção legal de produção de efeitos tal qual um assinatura presencial.
Pela aplicação da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB, do Decreto-lei nº. 4.657/1942) é preciso qualificar as normas do RJET como lei temporária, não havendo que se falar em conflito com a MP nº. 931/2020 que tem pretensão de definitividade.
Sem prejuízo, ainda que o RJET fosse norma permanente, a lei posterior somente revoga a anterior se assim o declarar expressamente, for incompatível ou regular inteiramente a matéria da lei anterior (art. 2º, §1º), que, ainda, deve ser interpretada no sentido de que a lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiais em conjunto com as já existentes, não revoga ou altera lei anterior (art. 2º, §2º) – no caso a MP nº. 931/2020 que teria natureza de norma especial.
Nessas condições, o fundamento do veto ao art. 4º do RJET ampliou a aplicação a todas as pessoas jurídicas de direito privado, de modo que também deve ser interpretada em conjunto com a MP nº. 931/2020, sem abrir mão da boa técnica de hermenêutica jurídica da LINDB.
Por Micheli Mayumi Iwasaki, advogada, mestre em Direito e especialista em Sociologia Política pela UFPR, membro da Comissão de Direito Cooperativo da OAB Paraná, sócia do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados
- Tags: Advogada, Cooperativo, Direito, Jurídica, OABParaná, Prejuízo, Privado, Sociologia