Flagrantes do Mundo Jurídico
Nos dias frios do inverno abro a janela e vejo a névoa que esconde parte da cidade. Lembro das pequenas comunidades do interior do estado, algumas delas com a denominação de comarcas em virtude dos interesses políticos. Situação que perdura até hoje.
Em 1968, então promotor substituto, fui designado pelo saudoso procurador Geral de Justiça Dr. Ary Florêncio Guimarães, para responder pela Promotoria da Comarca de São João do Triunfo, cidade localizada entre São Mateus do Sul e Palmeira.
Chovia, estava frio e a estrada era de barro com pouco macadame. Meu Volkswagen, sedan, deslizava sobre a pista como uma única azeitona em um prato raso e vazio. Dei graças a Deus quando cheguei à cidade. As casas de madeira tinham na parede gotículas de água que pareciam suor escorrendo denotando umidade. Pudera apesar de ser dez horas da manhã uma névoa se confundia com a chuva que caía sem parar.
Logo cheguei no fórum e fui falar com o juiz em seu gabinete. Encontrei-o tomando chimarrão e conversando com o escrivão do cartório cível. Feitas as apresentações ele permaneceu ao meu lado, sequioso para conversar, logo percebi que não era nada bom morar em um lugar simples e de poucos recursos. Ele me acompanhou no almoço que foi servido na única pensão que existia. E ficou meu amigo. Depois retornei a São João do Triunfo cerca de quatros vezes, sendo que em uma delas fiz um júri com o saudoso advogado Édison Scheram, que posteriormente foi prefeito de São Mateus do Sul.
De repente recebi a notícia da morte do juiz. Ele teve uma terrível depressão e suicidou-se na casa em que morava. Fiquei triste com a perda de um amigo. Assim era a vida profissional de juízes e promotores de Justiça que percorriam estradas sem asfalto, nem telefone, sem televisão , quando a maioria dos fóruns era de madeira, ruas com pouca ou nenhuma iluminação.
No inverno, principalmente nas regiões do sudoeste e do sul a temperatura muito baixa dava tédio e certa desesperança. Tudo era difícil. Somente pelo ideal de servir a Justiça é que homens e bem poucas mulheres abraçavam essas carreiras jurídicas.
A permanência no interior durava em média quinze anos e nas trincheiras das comarcas cada um forjava sua têmpera e ganhava experiência. E nas idas e vindas de uma para outra comarca protagonizava ou testemunhava fatos ocorridos para serem lembrados.
Hoje, as carreiras são dinâmicas, poucos criam raízes e passam tão rápido pelo interior, salvo nas cidades que lhes interessam, que sequer têm histórias para contar. É pena porque a carreira fica sem graça porque faltou vivência.
E os dias de inverno com névoa e chuva eram difíceis de passar pela monotonia própria das pequenas cidades. Tudo era questão de tempo ao tempo. Em cada dia de inverno eu lembro com saudades de um Juiz que morreu bem jovem porque tinha um ideal de vida. Nome que por certo não é lembrado por um Tribunal que não sabe preserva sua própria história.