Será que estou Errado?
Ontem, 19 de fevereiro, domingo.
Sol! Levantei nove horas da manhã, fiz um rápido desjejum, vesti calção, calcei o tênis e fui a pé para o Parque Barigui. Moro bem perto. No caminho lembrei que sempre encontro um amigo que há tempo não vejo, justamente na hora em que estou empenhado em derrotar a Lei da Inércia, pois tenho que parar para bater papo. Como estou frequentando a Academia do Costantini rezei para não encontrar ninguém, pois meu objetivo é dar pelo menos uma volta no parque, antes de voltar para casa.
Quando entrei na pista asfáltica do Barigui deparei com um turbilhão de pessoas fazendo o mesmo que eu, andando , aproveitando o sol, o calor e a natureza. Nem bem dei uma respirada profunda para renovar o ar dos meus pulmões, senti que alguém bateu com a mão em minhas costas, virei e dei de cara com um velho conhecido: o Zeferino! Pombas pensei, com tanta gente pra encontrar e logo me aparece o sujeito mais mal humorado e chato que eu conheço :
- Quanto tempo, cara !
Foi ele que iniciou a conversa:
- Tempo mesmo...
- Estou louco da vida com a tua Justiça!
-?
- É tua, sim! Você também vestiu a Toga e pertenceu àquela turma de urubus!
Palavras grosseiras e ofensivas, só não reagi porque o Zeferino é assim com todos que ele conhece, vivem de mau com a vida !
- E por quê? Arrisquei perguntar.
- O Supremo Tribunal Federal mandou o Estado indenizar as famílias dos presos que foram mortos nas rebeliões dos presídios! Que barbaridade! Os caras que morreram são bandidos e nós contribuintes temos que pagar!
- Taí, concordo com você!
Parece que meu amigo gostou da minha resposta e prosseguiu andando, passou por mim e logo se misturou com os demais andarilhos do parque. Foi embora sem se despedir, estilo próprio e único do Zeferino. Continuei andando, porém fiquei pensando no que tinha ouvido.
Há que ponto chegou o ser humano, nem a vida mais tem valor. Parece incrível que as pessoas esqueceram que o bem mais precioso de cada um de nós é justamente a vida. É por isto que a Lei Penal é severa contra aqueles que tiram ou tentam tirar a vida alheia. Evidente que essa proteção legal não distingue o caráter e nem a periculosidade da pessoa, todos são iguais perante a Lei!
No entanto parece plausível que o indivíduo encarcerado e morto em uma rebelião de presos também mereça igual tratamento. Ele por mais bandido que seja também tem família, pais, mulher e filhos.
Ele é um ser humano como qualquer um de nós! Se o Estado através do Sistema Penitenciário o acolhe para que o mesmo cumpra a pena pelo crime que cometeu, assume pela sua segurança e integridade física. Não estamos na época das masmorras medievais. Caso ele venha morrer nas dependências do presídio que não seja por morte natural, cabe ao Estado responder pela indenização devida à família, porque se descurou da segurança interna.
A família do preso tem o direito de ser indenizada pelo seu morto! Fora do presídio, qualquer ser humano quando vem a falecer por culpa de outrem a sua família também tem igual direito. Recentemente o Estado brasileiro indenizou presos políticos e alguns fugitivos, que depois foram anistiados. As indenizações pagas para agitadores, assassinos, artistas e sindicalistas alcançaram cifras invejáveis. Se estes mereceram ou não o pagamento do Estado por se tratar de questão duvidosa e moralmente discutível, ninguém levantou a voz para discordar. No entanto agora para indenizar a vida de alguns presos mortos e rebelião surgem vozes destoantes. Ora, quem morre no corredor de um hospital público por falta de assistência médica adequada por desídia do Estado, a família do morto tem direito a indenização? Claro que tem! O direito à saúde está assegurado constitucionalmente. Embora situações díspares a proteção legal é idêntica.
Enfim, o importante é não banalizar a vida, esta é uma só e merece ser protegida a todo o custo. É triste imaginar que a vida de um indivíduo possa merecer grau de distinção para efeito de ser mais ou menos valorada. A vida do bandido vale muito para seus entes queridos e não se justifica que sua família fique à míngua, que sofra e vegete sem nenhuma esperança e futuro.
Preocupa muito que as pessoas de bem ignorem a solidariedade e o justo. Pois se a vida é o tesouro mais valioso que Deus nos deu, não parece honroso desdenhar a dos outros, por pior que seja o indivíduo. Ou será que estou tão equivocado?