Só Porque era Xambrê
Quando fui promovido da Promotoria de Justiça da Comarca de Faxinal para Umuarama (1.975) encalhei meu carro na entrada da cidade, pois não consegui distinguir o asfalto da rodovia com o asfalto da rua que dá acesso à cidade porque estava coberto com alguns centímetros de areia. Errei a via pública e entrei ao lado dela numa duna de areia.
A rodovia que liga Maringá a Guaíra, no noroeste do Paraná, estava asfaltada até a entrada de Umuarama e o solo arenoso é característica da região. Para quem tinha deixado a pequena Faxinal para trabalhar em Umuarama, cidade polo de uma região e que estava em efervescência econômica, era uma surpresa agradável e um novo estilo de vida pelo agito de suas principais ruas.
O fórum estava localizado em dois imóveis alugados e distantes um do outro; um era uma antiga pensão e abrigava o foro civil (2 varas) e no outro que funcionava num sobrado de material sobre uma oficina mecânica abrigava as varas (2) criminais e de família (1 vara).
A distância não permitia melhor convivência entre os colegas a ponto de um deles ter sido removido para outra comarca e nós (Juízes e Promotores) que trabalhávamos no ritmo do batuque da oficina mecânica só viemos saber quando tinham passado mais de duas semanas.
Era praxe na época que os colegas quando deixavam a comarca por promoção ou remoção eram homenageados com um tradicional jantar da família forense, tal não ocorreu com o colega em comento. Só dois anos depois é que foi inaugurado o fórum de Umuarama e os serviços foram instalados em um único imóvel.
O ambiente de trabalho era harmonioso entre todos os Juízes, Promotores e advogados (70 na época) o que facilitava a permanência familiar em uma cidade localizada a seiscentos quilômetros da Capital. A comarca por ser de 2a. Entrância e não existindo outra comarca de Entrância Final além de Curitiba, tanto os Juízes como os Promotores podiam ser promovidos diretamente para a Capital, ponto final de ambas as carreiras.
Dada a importância econômica para toda a região era comum receber visitas de colegas de comarcas próximas e suas famílias facilitando muito a convivência social. Tinha um colega de nome João Carlos Rodrigues Gomes (Madureira) que era Promotor da Comarca de Xambrê, uma minúscula cidade localizada a vinte e oito quilômetros de Umuarama, cujo acesso era por estrada de areião o que dificultava a ligação entre as cidades.
Ele casado com d. Lúcia Albuquerque Maranhão tinham um casal de filhos e moravam em uma casa oficial destinada a residência do Promotor da Comarca. Eu e minha família tivemos uma convivência muito próxima com a família do “Madureira” pois quando eles no final de semana iam para Umuarama pernoitavam em minha casa. O filho do casal de nome Luciano tinha quatro anos de idade e era sapeca como poucos. É dele que vou contar um episódio. A cidade de Xambrê era muito, muito pequena e claro que todos os seus habitantes conheciam muito bem quem era quem.
A alegria mesmo do menino era ficar com a mãe na frente de casa para esperar o único caminhão de lixo da cidade . Pois quando este chegava o motorista parava, abria a porta da cabine e a mãe colocava o filho sentado ao lado do condutor para, em seguida, prosseguirem com a coleta do lixo. Duas horas depois o caminhão retornava, o motorista buzinava para d. Lúcia retirar o menininho dá boléia. Cena só possível numa cidade interiorana onde as pessoas tinham tempo de sobra para se dedicar às crianças e dividir com elas o prazer de viver.
Muitos filhos de Juízes, Promotores e de outros profissionais cujas carreiras obrigavam andanças pelas cidades interioranas devem ter mil histórias para contar de seus filhos, levados a tira-colo e que com certeza guardam lembranças imorredouras de suas infâncias.
O amadurecimento dos Juízes e Promotores vinha das trincheiras do front, mas tudo era suportável porque na grande maioria eram vocacionados e sabiam muito bem se adaptar nas cidade em que moravam …
“Os filhos de Juízes e Promotores cujas Carreiras impunham a obrigatoriedade de residir com a família nas cidades do interior do estado, ou nasceram ou viveram a infância em alguma delas. E recordar alguns episódios tendo a criança como ponto principal faz um bem enorme para a alma de quem escreve ou lê. Espero que esta crônica
sirva para reativar a memória de muitos.”
Édson Vidal Pinto