Horas Incertas
Sentei na minha poltrona predileta estrategicamente colocada no escritório de meu apartamento onde leio, escrevo, uso, abuso e aproveito da minha imaginação para criar, sem perceber o tempo passar. Há poucos anos do outono “quase” inverno da vida - faltam exatos dois anos e meio para chegar aos 80 anos de idade - procuro, então, preencher minha cabeça para não permitir que o vazio me faça perder as ilusões e sonhos que jamais podem esmorecer na velhice. E alcançar este estágio de vida, todo o dia, é um grande desafio por mais que o indivíduo goze de boa saúde. Pois sempre tem uma dorzinha aqui e outra acolá, um desconforto no estômago, uma tosse irritante, uma noite mal dormida e remédios de todos os tipos e cores para “tomar” quase sempre sem saber as suas utilidades.
É claro que também tem os menos afortunados que sofrem de doenças crônicas e outras muito graves. O idoso quanto mais o tempo passa fica mais descartável -, os filhos, noras, genros e netos procuram ignorar suas existências, quando muito telefonam para dar notícias e não para ouvir reclamações. E quando os pais depois de longa convivência chegam no mesmo período de uma vida longa e amorosa e um deles falece, aquele que sobrevive torna-se um empecilho para os filhos que logo querem internar o pai ou a mãe (doentes ou não) em um lar de idosos. Via de regra estas casas são depósitos de gente que não tem para onde ir. E por quê estou descrevendo este quadro doloroso e descolorido, com tanta tinta carregada de tristeza, se isto não é uma regra na vida das pessoas idosas e sim exceção ? Ledo engano : chegar na velhice com todo amparo e carinho da família é exceção e não a regra, imposta pela modernidade.
Nas famílias antigas os pais eram tudo para os filhos e estes jamais davam às costas quando estes precisavam de conforto e de ninho . Era o amor deles que mantinha o dever moral de retribuição dos filhos para seus pais. Este elo familiar perdeu essa pedra de toque que unia o clã contra todas as adversidades até o resto de suas vidas; a unidade familiar perdeu o viço de fraternidade, do carinho, da proteção porque a luta pela sobrevivência afastou uns dos outros e cada qual buscou trilhar egoisticamente o próprio caminho. Estou amargo, não ? Pois é, estou sim. Uma amiga querida de minha falecida mãe, hoje com 88 anos idade, viúva e pensionista de seu marido, um jornalista e empresário de escol, mãe de duas filhas, uma viúva e outra separada, avó de cinco netos adultos, com mal de Parkinson, até ontem sobrevivia sozinha no diminuto apartamento nade morava.
Vivendo de uma pensão miserável por desídia de um Governador insensível e intolerante há situação de penúria que passa o funcionalismo publico, sem o indispensável apoio de seus familiares, vivia assistida pelos amigos que nunca lhe faltaram. Mas nem estes conseguiram suprir o necessário para que a dita mulher pudesse ter a assistência e a companhia que precisava para superar as dificuldades. Um clássico estado de aparente abandono material. Ela que resistiu para não ser levada à um lar de idosos -, pela dificuldade financeira de pagar um bom estabelecimento -, não aguentando a solidão da noite acabou cedendo e resignada pediu sua internação. Foi a decisão mágica que movimentou uma das filhas e duas irmãs, que logo providenciaram um “lar” onde a mesma num único quarto vai dividir o espaço com outra idosa com Alzaymer, em estado terminal. E pensar que essa mulher amada por mim e minha mulher, herança que minha mãe nos deixou para cuidar, é uma dentre milhões de senhoras idosas que sofrem abandonadas por seus familiares mais próximos, sem a mínima possibilidade de sonhar, sorrir e poder morrer ao lado de alguém que amou. Foi pensando na solidão que hoje ela está vivendo é que estou escrevendo
para sensibilizar algum político ou governante, para instituir dentre as políticas públicas prioritárias do Estado dar assistência às pessoas idosas que vivem a míngua, sofrem calada e não têm há quem recorrer. O abandono material é crime, mas ninguém denuncia com medo de piorar ainda mais a situação do desassistido.
Não um Estatuto do Idoso se o Ministério Público que deveria fiscalizar seu cumprimento, cadastrar e buscar conciliar interesses entre as pessoas envolvidas para encontrar melhor solução, está atado na teia política sem esboçar reação. Se a moradia é necessária para abrigar a família, também o é, construir lares públicos acolher idosos em ambientes que lhes proporcione a indispensável qualidade de vida. E nunca é tarde para discutir esse tema, porque o tempo passa para todos…
“Ninguém gosta de ser velho -, uns dizem que não têm mais idade e sim vida, com o qual não ouso discordar. Mas pelos rumos da modernidade, com a longevidade cada vez mais visível, a solidão e o desamparo familiar torna o plus da existência uma atroz tortura.”
Édson Vidal Pinto
Bebel Ritzmann
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