A Represa de Chavantes
Bem na divisa dos estados de São Paulo e Paraná, na região entre as cidades de Fartura (SP), Carlópolis e Ribeirão Claro (PR), o governo paulista construiu a Represa de Chavantes aproveitando as águas dos rios Paranapanema e Itararé formando um reservatório d’água de 400 Km2, equivalentes 37 mil campos de futebol, tornando a região um polo turístico para esportes náuticos e a alegria de pescadores. Ao lado paranaense da represa foram edificados sofisticados resorts e condomínios de luxo, modificando e muito as cidades antes pequenas e pouco atrativas. O impulso ocorreu no final do ano de 1.971, quando então Presidente Médici inaugurou a Usina Hidroelétrica de Chavantes, propiciando um progresso nunca imaginado para as cidades circunvizinhas. Eu assumi a Promotoria de Justiça da Comarca de Carlópolis em janeiro de 1.970, não tinha Juiz de Direito titular, e o Município estava sob Intervenção Federal, pois o prefeito eleito foi cassado pelo AI-5, porque antes de assumir o cargo e na condição de Chefe da Coletoria de Rendas foi denunciado por crime de peculato. O vice-prefeito, embora um comerciante de porte na cidade, sem nenhuma implicação no delito referido, não pode tomar posse pois foi nomeado um tenente-coronel, Interventor federal.
O fórum e a prefeitura funcionavam num mesmo imóvel. A temperatura média era de 30 graus centígrados, em Carlópolis o asfalto abrangia apenas algumas ruas principais do centro, as demais era de macadame e terra vermelha. Único imóvel de dois pavimentos era a pensão onde morei, no piso térreo funcionava uma cerealista de compra e venda de arroz e café; e no piso superior os quartos e o único banheiro da hospedaria. Tinha uma única sala para o café da manhã, onde era servido pão, bolacha, manteiga, mel e duas térmicas: a de café e a de leite. Em todo o transcorrer do ano que permaneci na Comarca (eu era solteiro), pois no final deste período (dezembro) fui removido para a Promotoria da Comarca de Jaguapitã, protagonizei três situações diferentes, duas delas muito tensas e perigosas, e uma até certo ponto jocosa pelas circunstâncias do fato. E como é sábado, vou descrever aquela que me pareceu inusitada e de certo modo traduzia a preocupação do chefe em orientar seu funcionário de pouca idade (21 anos) e inexperiente nas mazelas da vida. No início de janeiro de 1.970 eu como Promotor Substituto estava atendendo a promotoria da Comarca de São João do Triunfo, quando recebi um telegrama (via rádio da Polícia Civil) do Procurador Geral de Justiça, Prof Ary Florêncio Guimarães determinando que comparecesse de imediato em seu gabinete, pois fui promovido à Promotor titular de Carlópolis e deveria assumir referida Promotoria. Sem pensar duas vezes compareci no gabinete do chefe do MP. Entrei receoso, pois o dr. Ary era um homem austero, disciplinador, e muito exigente, ele me olhou e disse:
-O senhor sabia de sua promoção?
-Não, senhor, eu estava atendendo a Secção Judiciária e não fui comunicado…
-Mandei telegrama para a Lapa…
-Mas eu estava em São Mateus do Sul e depois fui a São João do Triunfo …
-Todos os teus colegas já assumiram, você do último Concurso perdeu a antiguidade.
Confesso que não entendi, pela minha total inexperiência, o quê isto representaria para minha carreira. Mas o professor, prosseguiu:
-Mas foi melhor assim, porque preciso lhe dar um conselho. Você vai para Carlópolis, lá tem um serventuário do cartório, que é um idoso, doente, muito envolvente que vive com uma moça (muito bonita)que ele “trouxe” de Ourinhos.
-?
-Ele vai mandar ela no seu gabinete para levar os processos e depois ir buscá-los. (Pausa). Tome cuidado, pois ele faz isto para “depois” manobrar o Juiz e o Promotor da Comarca! Cuide-se, portanto. Você entendeu bem?
-Sim, senhor.
-Ótimo, amanhã vá para Carlópolis, assuma a Promotoria, e depois me informe por telegrama. Boa viagem!
E lá fui eu para a minha primeira Comarca como Promotor titular, muito bem orientado e consciente dos problemas que poderia enfrentar. E hoje em dia? Com o crescimento do número de integrantes das Carreiras do MP e da Magistratura, é claro que o cuidado que os superiores têm não são os mesmos para aqueles que dão os primeiros passos no exercício profissional , estes têm que zelar pelo decoro e trato com terceiros, para não denegrirem suas biografias….
“Nas Carreiras Jurídicas o decoro e a ética moldam a biografia de seus profissionais; nem a Toga e nem a Beca perdoam os que não sabem usá-la. Palavras indevidas, atitudes açodadas, comportamentos inconvenientes, maculam e depreciam os soberbos, os detratores e os abusados”