Dia de Pagamento
Pelo lado de minha mãe tenho laços afetivos com a cidade da Lapa porque tanto ela quanto meus avós maternos e tios são nascidos naquela aprazível cidade repleta de histórias e tradição. Com doze anos de idade embora meus pais estivessem residindo em Curitiba participava até então da procissão de São Benedito, uma festa religiosa que reunia pessoas de toda a região.
Naquela época minha família sempre visitava a cidade porque meu pai tinha sido tesoureiro do antigo Sanatório de São Sebastião, nosocômio que internava doentes tuberculosos que eram tratados com medicamentos e ali podiam respirar ar limpo e saudável que fazia muito bem para recuperar os pulmões.
Chegamos a morar em uma das casas destinadas à funcionários que foram construídas na área que dava acesso ao prédio principal até que meu pai foi transferido para a Capital. Eu tinha três anos de idade. Voltei a morar na Lapa em 1.968 quando assumi cargo de Promotor Substituto da Comarca, solteiro, com 22 anos, aluguei um quarto no casarão do Sr. Odorico Prestes e d. Leocádia (amigos de meus pais), local onde também funcionava a Coletoria de Rendas Estadual e estava localizado na Rua das Tropas, esquina do antigo fórum. Também era inquilino de um outro quarto o Sr. Arnaldo Rosa, o Coletor.
No final de cada mês os funcionários públicos da região eram chamados para comparecer na Coletoria a fim de receber o pagamento em espécie pois o Governo do Paraná não usava a via bancária para essa finalidade vez que os serviços eram insipientes e a arrecadação nem sempre dava para pagar todos. Para evitar filas primeiro compareciam os professores das escolas públicas, em seguida os policiais civis e militares, depois os demais servidores e por último o Juiz e o Promotor.
A ordem não era sempre a mesma e dependia do montante do dinheiro arrecadado e da boa vontade do Chefe de Rendas. Só depois destes pagamentos é que o Coletor remetia o excedente para o cofre da Secretaria da Fazenda. A primeira vez que fui receber meu salário fui acompanhado do Juiz dr. Luiz Carlos Reis e do Promotor de Justiça titular dr. Luciano Branco de Lacerda, pois todos tínhamos igual propósito. Lembro que o Juiz recebeu cr$ 760.000,00; o Promotor titular Cr$ 580.000,00 e eu Promotor Substituto Cr$ 430.000,00 -, e não era um bom salário e todos tinham que levar uma vida muito bem controlada financeiramente pois tinha aluguel para pagar, carnê de prestação de compra de carro popular e muitos tinham financiamento para aquisição de casa própria pelo BNH.
No mês seguinte quando fomos receber o Coletor disse que não poderia pagar integralmente os salários porque a arrecadação tinha caído e só daria para quitar uma parte para cada um um de nós e o que faltou ele deu um “vale” para cobrarmos na semana seguinte. Era assim que o estado efetuava o pagamento de seus servidores que trabalhavam nas cidades interioranas. Também o “vale” recebido nem sempre dava para ser descontado na semana referida e ficava para outra ocasião e assim por diante.
Hoje os servidores públicos recebem seus salários no banco, depositados em suas contas correntes, sem nenhum atraso e muitos não valorizam o emprego que têm e muitas vezes deixam de cumprir suas
obrigações. Nem o Juiz e nem o Promotor tinham assessores para ajudar nos processos, os gabinetes não eram condizentes, fóruns alugados ou inadequados e tinham de dar conta do serviço forense, atender os empregados celetistas, conflitos de marido e mulher, questões de vizinhança e problemas de menores.
Era tarefa diária que não podia ser adiada. Ninguém podia fazer cursos de especializações, mestrado e doutorado porque eram caros e só podiam ser feitos em outro estado ou no exterior. E tinham as Corregedorias da Justiça e do Ministério Público com fiscalizações continuas e rigorosas exigindo que os Juízes e Promotores residissem na sede de suas comarcas.
E para sair delas só mediante autorização prévia do Presidente do Tribunal ou do Procurador-geral de Justiça. Só os que tinham vocação pelas carreiras é que permaneceram e se sujeitaram a uma vida de dificuldades. A nova geração precisa conhecer a história de sua Instituição e daqueles que os antecederam na carreira para que valorizem o que tem e trabalhem com afinco a fim de honrar a Justiça e mostrar respeito aos jurisdicionados …
“Passou o tempo que Juiz e Promotor só era Juiz e Promotor; as carreiras exigiam profissionais de tempo integral. Hoje dar aulas não é mais uma renda extra. Os subsídios estão defasados e os penduricalhos criados para apaniguar quem está na ativa é uma complementação indecorosa de salário”.
Édson Vidal Pinto